Em plena negociação para aprovar a reforma da Previdência, o governo precisa do Congresso para cumprir uma meta de déficit primário que não dá sinal de trégua
É a cada dia mais preocupante a situação das contas públicas brasileiras. O resultado primário acumulado nos últimos 12 meses, anunciado ontem pelo Tesouro Nacional, continua negativo, em R$ 119 bilhões. Só em março, o governo gastou R$ 21 bilhões a mais do que arrecadou.
A situação ainda não ameaça a meta anunciada para 2019, um déficit primário de R$ 139 bilhões, embora já demonstre que será impossível cumprir a promessa de campanha de zerá-lo logo no primeiro ano de governo. Diante da queda na arrecadação provocada pelo desaquecimento da economia, o governo se viu obrigado a impor cortes de R$ 30 bilhões nos gastos para cumprir as metas orçamentárias.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, conta com o alívio prometido pelas receitas do leilão dos 6 bilhões de barris de petróleo excedente descobertos nas áreas de exploração do pré-sal. Na campanha, falava-se que a venda renderia R$ 100 bilhões aos cofres públicos. A estimativa foi revisada para R$ 106 bilhões, 20% dos quais ficariam para estados e municípios. Mas a situação dos gastos é tão crítica que mesmo o leilão do pré-sal terá impacto pequeno no déficit.
Previsto para outubro, o leilão ainda depende de um pagamento de R$ 34 bilhões que o governo deve à Petrobras pela revisão do acordo de exploração do pré-sal. Como essa despesa não está no Orçamento, só pode ser realizada se for aprovada no Congresso uma exceção à lei que impõe o teto de gastos.
Não é a única despesa que dependerá da boa vontade dos parlamentares. A União poderá ficar sem recursos para cumprir despesas como pagamento de aposentadorias e benefícios previdenciários. Para financiá-los, não pode tomar dinheiro emprestado no mercado, em virtude do dispositivo constitucional conhecido como “regra de ouro”, que veta empréstimos para pagar despesas correntes.
Será, portanto, preciso obter do Congresso uma autorização excepcional para captar créditos suplementares, estimados em R$ 249 bilhões. Sem ela, o governo terá de decidir se cessa os pagamentos (um escândalo) ou empresta o dinheiro mesmo assim (crime de responsabilidade idêntico ao que levou ao impeachment de Dilma Rousseff).
A dependência do Congresso é ainda maior para a aprovação da reforma da Previdência. Sem uma base aliada sólida, o governo precisa negociar no varejo o apoio de governadores e partidos políticos. Na forma como as cartas estão na mesa, os congressistas controlam o jogo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez as pazes com o presidente Jair Bolsonaro. Diante do retrospecto, não se sabe por quanto tempo.
Enquanto a situação das contas públicas deteriora, Bolsonaro demonstra uma inépcia crônica para lidar com as expectativas do mercado. Depois de ameaçar intervir nos preços dos combustíveis e derrubar as ações da Petrobras, deu ontem outra declaração desastrada sobre juros do Banco do Brasil numa feira agropecuária. Depois teve de voltar atrás.
O vaivém de Bolsonaro é importante não por demonstrar que ele não seja um liberal genuíno na economia – ninguém com um mínimo de informação jamais acreditou nessa possibilidade –, mas por revelar sua desconexão da realidade crítica que seu governo enfrenta.
Populistas no mundo todo tentam agradar a população com promessas sobre juros, preços dos combustíveis ou inflação. Não ficam, contudo, sabotando iniciativas essenciais para o sucesso do próprio governo. Quando necessário, sabem ficar quietos.
Bolsonaro precisa de Guedes mais do que Guedes precisa dele. Guedes precisa do Congresso mais que o Congresso precisa dele. Já era verdade na campanha eleitoral. Continuou verdade depois da posse. Continua verdade até agora. Já deveria ter dado tempo de aprender.
Por Helio Gurovitz