Dos afluentes ao Rio Doce: ações visam revitalização após tragédia

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Experimento de restauração florestal em área sob influência de rejeitos da barragem de Fundão, trecho do rio Gualaxo do Norte, um dos principais afluentes do rio Doce, que abrange os municípios de Mariana, Ouro Preto e Barra Longa

Passados quatro anos do rompimento da barragem da mineradora Samarco, ainda é recorrente a desconfiança de moradores de municípios banhados pelo Rio Doce em relação à qualidade da água na região. A Fundação Renova, entidade criada para reparar os danos da tragédia conforme acordo firmado em março de 2016, assegura que o tratamento permite alcançar os padrões de potabilidade exigidos para o consumo humano e conta com o respaldo de órgãos ambientais.

Entretanto, gestores do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Governador Valadares admitem que, atualmente, a população da cidade consome menos água se comparado ao período anterior ao rompimento. Isso porque muitos moradores estão recorrendo a outros meios de fornecimento. Na foz do Rio Doce, Leone Carlos, presidente da Associação de Pescadores de Regência, considera que relatórios divulgados não passaram ainda confiança sobre a qualidade da água e do pescado.

“O Rio Doce está numa condição muito similar ao que estava antes do rompimento da barragem. Ou seja: sua água é possível de ser tratada e disponibilizada para consumo da população sem nenhum risco”, afirma Brígida Maioli, responsável pelo programa da Fundação Renova voltado para monitorar a qualidade da água do Rio Doce.

Há atualmente 92 pontos de monitoramento desde o Rio Gualaxo do Norte, passando pelo Rio do Carmo e chegando ao Rio Doce. Em 22 desses pontos, existem estações automáticas que geram informações em tempo real. Nos demais, a coleta é manual. São verificados 80 parâmetros físicos, químicos e biológicos. Segundo o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), o Rio Doce é atualmente o mais monitorado do país.

De acordo com Brígida, a evolução é nítida desde o rompimento, embora seja natural que a turbidez aumente nos períodos de chuva, já que os sedimentos no fundo dos rios são remexidos. “Os metais identificados no monitoramento são os que já existiam antes na bacia. Eles fazem parte de todo o contexto histórico de exploração, que envolve lançamento de esgotos e de efluentes industriais. Mas tratada, a água fica livre desses metais e atinge o padrão de potabilidade”, reforça.

Análises sobre a presença de metais na bacia, porém, têm gerado diferentes interpretações. Em junho deste ano, uma nota técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) recomendava consumo limitado de peixes do Rio Doce e apontava que a presença de cádmio, mercúrio e chumbo no pescado estava acima da média mundial. A pesca na bacia segue restrita.

A Fundação Renova vem desenvolvendo uma série de ações para melhorar a qualidade da água da bacia e aumentar as populações de peixes. A entidade assegura ter recuperado 113 afluentes, cujos leitos haviam desaparecido após a tragédia. Junto ao programa de reflorestamento, espera-se recuperar 5 mil nascentes em 10 anos.

Ao mesmo tempo, mais de R$500 milhões deverão ser investidos em projetos de saneamento de cidades. Até o fim de julho deste ano, foram recebidos 211 pleitos. Os primeiros municípios que tiveram verbas liberadas foram São José do Goiabal, Rio Casca e São Domingos do Prata, em Minas Gerais, além de Colatina, no Espírito Santo.

Paralelamente ao esforço pela recuperação do Rio Doce, foi pactuada como compensação a construção de uma nova captação de água no Rio Corrente Grande para Governador Valadares, um dos municípios mais afetados pelo desabastecimento na época da tragédia. A obra, que começou em julho de 2018 e deve ser entregue à prefeitura em março de 2021, prevê uma adutora de 35 quilômetros de extensão interligada aos sistemas de tratamento localizados em três bairros.

Com uma vazão de 900 litros por segundo, a nova adutora será capaz de atender 100% da demanda da população de Governador Valadares. Atualmente toda a água distribuída na cidade provém do Rio Doce, após tratamento. “É uma nova captação de água, mas não quer dizer que iremos abandonar o Rio Doce. Isso vai ser avaliado após a entrega da adutora”, avalia Victor Mendes Oliveira, diretor do Departamento de Engenharia do SAAE.

Renaturalização

Outras iniciativas também estão em curso no Rio Gualaxo de Norte, o primeiro manancial a ser atingido após o rompimento pela onda de rejeitos. Ele é afluente do Rio do Carmo que, por sua vez, se encontra com o Rio Piranga e dá origem ao Rio Doce.

Uma das iniciativas em andamento é o projeto de renaturalização do Rio Gualaxo do Norte. Desde maio deste ano troncos e galhos de árvores vem sendo introduzidos em sua calha, de forma a criar áreas de remanso. A técnica utilizada em mananciais degradados na Europa e na América do Norte, foi trazida ao Brasil pela Aplysia, uma empresa que atua na área ambiental e fechou parceria com a Fundação Renova.

A existência de pedaços de árvores no leito dos rios é algo natural, mas eles foram removidos com a passagem da lama. Eles ajudam a frear o fluxo das águas, criando remansos e diversificando os ambientes, o que é importante para o desenvolvimento das populações de peixes, que buscam locais mais calmos para o descanso, a fecundação e a alimentação.

“Estamos acelerando um processo que ocorreria naturalmente, recriando as características anteriores desses trechos afetados. Em uma área do rio com mata ciliar, a árvore vai morrer em algum momento, vai cair um galho, depois o tronco. É um ciclo da natureza. Mas aqui, não vamos esperar o plantio para a recomposição da mata ciliar que vai demorar uns dez anos para termos árvores maiores. Estamos acelerando esse processo e já instalando os troncos na calha do rio”, explica Pedro Ivo, coordenador do projeto.

Ilhas flutuantes

Outra iniciativa que está sendo preparada para aplicação no Rio Gualaxo do Norte é fruto de parceria com Lia Marinha, uma startup desenvolvida a partir de edital de inovação para a indústria realizado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Ela desenvolveu uma biotecnologia que funciona como uma estação de tratamento natural. São ilhas flutuantes em que espécies da flora aquática são usadas para filtrar matéria orgânica, absorver metais e diminuir a turbidez da água.

Testes em laboratório levaram à seleção de quatro espécies. A taboa, por exemplo, é nativa da região e mostrou boa capacidade para absorver metais. A expectativa é de que as ilhas flutuantes consigam reduzir em 10% níveis de ferro, alumínio e manganês.

Além disso, quando instaladas junto às beiradas do Rio Gualaxo do Norte, a biotecnologia seria capaz de impedir que parte da lama acumulada na margem seja carregada para o leito nos períodos chuvosos. Essa é uma preocupação considerando o plano de manejo de rejeitos aplicado pela Fundação Renova com o aval dos órgãos ambientais. Avaliou-se que a retirada da lama das margens do rio ampliaria o impacto e, com exceção de alguns locais, a opção foi por estimular a volta da matéria orgânica para que a mata ciliar possa crescer sobre esse novo solo.

Esse foi um dos motivos que levaram à realização, logo após a tragédia, de uma revegetação inicial dessas áreas com gramíneas e leguminosas. A medida buscava enriquecer o solo e combater a erosão com o consequente escoamento de lama para os mananciais. De acordo com a Fundação Renova, a turbidez da água do Rio Gualaxo do Norte está em queda desde o fim de 2015, quando ela atingiu o seu auge.

Fonte EBC