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O mal do açucar

“Hoje vai ser uma festa! Bolo, guaraná, muito doce pra você!”, dizia a letra da música de aniversário mais famosa da Xuxa Meneghel. Desde sempre, festinha infantil é sinônimo de doce. E o açúcar rola solto entre os convidados. Porém, o consumo do produto, além de ser proibido para menores de dois anos, pode ser essencialmente danoso para os pequeninos.

Uma pesquisa realizada por cientistas da Universidade de Queensland, na Austrália, revela que os efeitos do açúcar no cérebro são parecidos com aqueles provocados pelo consumo de drogas como a cocaína. “Com base nas semelhanças comportamentais e neuroquímicas observadas entre os efeitos do açúcar e drogas, podemos deduzir que o açúcar atenda aos critérios para uma substância de abuso e possa ser “viciante” para alguns indivíduos quando consumido de maneira exagerada”, afirma a nutricionista Luciana Sarmento, do Espaço Stella Torreão.

O açúcar induz as mesmas respostas na região do cérebro conhecida como “centro de recompensa”, como nicotina, cocaína, heroína e álcool. O produto estimula a liberação de neurotransmissores – dopamina em particular.

Nas crianças, a especialista em Nutrição Clínica e Funcional Luciana Sarmento explica que a dependência do açúcar pode se manifestar através de distúrbios de comportamento. “Hiperatividade, dificuldade de concentração, irritabilidade e outros problemas psicológicos podem estar ligados à dieta e ao excesso de consumo de açúcar”, avalia.

Para os pais, é muito difícil resistir à tentação de oferecer guloseimas para as crianças. Ao contrário da cocaína, o açúcar é uma “droga” que vicia socialmente aceita, sobretudo em festinhas infantis.

A partir de qual idade deve-se oferecer açúcar para a criança?

Essa é uma pergunta bastante comum entre os pais. Antes de falarmos sobre o açúcar, vale ressaltar que o consumo do mel para crianças abaixo de dois anos é vetado. Isso porque a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) alerta que estudos revelaram a presença de bactérias causadoras do botulismo intestinal em amostras de mel. A doença pode levar à morte por paralisia da musculatura respiratória.

Recomenda-se não consumir açúcar de nenhum tipo (refinado, cristal, mascavo, mel, melado, rapadura, etc) durante os dois primeiros anos de vida da criança.

“Às vezes, ficamos ansiosos para que a criança comece a utilizar o açúcar. Talvez essa seja uma ansiedade mais dos pais do que da própria criança. Nem tudo precisa de açúcar a mais, por exemplo um suco de melancia não precisa de açúcar. O mesmo vale para o leite: não precisa adoçar a mamadeira”, enfatiza a endocrinologista Livia Marcela, mestre em Endocrinologia pela Unifesp.

Desde 2015, a OMS recomenda que o limite máximo para açúcares livres oferecidos para crianças acima de dois anos deve ser 10% do valor energético total e, idealmente, 5%. O que equivale a aproximadamente 25 gramas (100 cal ou aproximadamente seis colheres de chá) de açúcares adicionados por dia.

“Tem havido uma falta de clareza e consenso sobre quanto açúcar adicionado é considerado saudável para crianças. Então, o açúcar permanece um ingrediente comumente presente em comidas, bebidas e o consumo geral por crianças permanece alto. Não existe referência quanto ao tipo açúcar que deve ser consumido, mas obviamente os açúcares nutritivos são os mais indicados dentro das quantidades preconizadas”, afirma a nutricionista Luciana Sarmento.

Consequências do açúcar na saúde infantil

Um dos primeiros efeitos quando os pais introduzem o açúcar na vida dos pequeninos é em relação ao paladar. Acostumada ao gosto do leite materno ou fórmula, ou dos alimentos in natura preparados com poucos temperos, o açúcar parece uma “bomba de sabor”. E isso pode comprometer as escolhas saudáveis, ou não, que ela fizer no futuro.

Ao oferecer o açúcar, a criança pode rejeitar outros sabores. O açúcar adicionado, ou seja, aquele que a gente usa para adoçar alimentos ou bebidas, tem efeito prejudicial para os pequeninos, como esclarece Luciana Sarmento: “Uma associação entre ingestão de açúcar e distúrbios metabólicos como obesidade, dislipidemias, aumento da pressão arterial, diabetes mellitus. Alguns tipos de câncer podem estar associados ao excesso do uso de açúcar assim como distúrbios cognitivos e cáries”.

A endocrinologista Lívia Marcela aponta a obesidade como um dos principais problemas. “Dados recentes apontam que mais de 30% das nossas crianças de cinco a nove anos sofrem com excesso de peso. Açúcar adicionado é o açúcar que colocamos a mais em alimentos. Esse seria o maior problema. A obesidade tem um elo muito grande com o açúcar adicionado”, ressalta.

Escolhas mais saudáveis

Para crianças acima de dois anos, se optar por utilizar o produto, prefira as versões mais nutritivas, como mel, açúcar mascavo, de coco, demerara, orgânico ou melado.

A adição de fibras também diminui a absorção do açúcar. “Recomenda-se o consumo de alimentos ricos em fibra solúvel como as cascas das frutas, grãos integrais, brócolis, a aveia, chia. Este tipo de fibra ajuda a desacelerar o processo de absorção de açúcares, regulando assim os níveis de glicose no sangue”, aconselha Luciana Sarmento.

Uma outra dica importante é incentivar o consumo de frutas inteiras e orientar as crianças sobre os benefícios da fruta, rica em fibras em comparação ao suco.

Na opinião da endocrinologista Lívia Marcela, as festas infantis não são as vilãs da história. “O maior problema não é a criança comer um ou outro doce durante as festinhas. Mas a frequência que esse consumo acontece. Então, deixar fácil acesso a doces, balas e bolachas não é recomendado. Uma regra muito simples porém que gera um efeito muito bom no dia a dia é: desembrulhe menos. Procure comidas o mais naturais possível, um bom exemplo são as frutas”, lembra.

Uma outra observação é em relação aos iogurtes. Muitos deles têm uma alta concentração de açúcar. Então, aqui também vale a recomendação: quanto mais natural melhor. Para que os pais consigam fazer essas escolhas, é necessário se programar para ter sempre frutas e verduras em casa.

CONTEÚDO ESTADÃO
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