Lula deixou a prisão na última sexta-feira, após o Supremo rever o entendimento que previa a execução antecipada de pena, mas está inelegível, enquadrado pela Lei da Ficha Limpa. A Segunda Turma da Corte deve retomar a discussão do caso até dezembro – na prática, o humor político do País acaba influenciando o calendário das sessões.
Embora o Supremo não seja a causa do confronto entre os extremos, no atual cenário, o tribunal vai para o centro da polarização com o julgamento de “Lula versus Moro”. “Estamos num clima conflagrado no Brasil, onde tudo é binário. Se o habeas corpus for concedido, vai reforçar o discurso de Lula de perseguição política. Se for negado, vai acentuar o discurso anti-Lula, de que ele é culpado e teve uma condenação justa. Uma parcela expressiva da opinião pública ficará insatisfeita, seja qual for o resultado”, afirmou o professor de Direito Penal da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) Davi Tangerino.
Um recurso de Lula contra sua condenação também está pendente de análise no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e pode ser afetado pelo entendimento do Supremo. A avaliação de integrantes do STF ouvidos é a de que os últimos acontecimentos enfraquecem o grupo mais alinhado à Lava Jato no tribunal – uma ala capitaneada pelo relator da operação, Edson Fachin, com o apoio dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
O desgaste da Lava Jato na Corte se aprofundou após a divulgação de mensagens trocadas entre Moro e o coordenador da força-tarefa da operação em Curitiba, Deltan Dallagnol. As conversas, reveladas pelo site The Intercept Brasil, foram alvo de hackers. O comportamento do ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot – que afirmou ao Estadaõ ter planejado matar a tiros o ministro do STF Gilmar Mendes – também pôs em xeque investigações do Ministério Público Federal e sua reputação.
Mesmo ministros mais sensíveis à opinião pública e alinhados ao discurso da Lava Jato de combate à impunidade, como Cármen Lúcia, não toleram mais o que veem como “excessos” de procuradores e juízes. Em agosto, por exemplo, em um julgamento considerado “divisor de águas” na Lava Jato, a Segunda Turma do STF anulou uma condenação que havia sido imposta por Moro a Aldemir Bendine, ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras O caso marcou a primeira vez em que Cármen divergiu de Fachin em julgamentos cruciais na Segunda Turma, conforme levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo.
Suspeição
Agora, após a mudança de entendimento do Supremo sobre a execução antecipada de pena, as atenções do PT se voltam para o julgamento em que a conduta de Moro vai passar pelo crivo dos ministros. A defesa de Lula acusa o titular da Justiça de interditá-lo politicamente ao levantar o sigilo de parte da delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci às vésperas do primeiro turno da eleição presidencial.
A Segunda Turma do STF é composta por cinco ministros. Cármen e Fachin já se posicionaram contra o pedido de Lula, mas o placar pode sofrer uma reviravolta. Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski devem se manifestar a favor do petista, deixando para o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, a definição do polêmico tema
O jornal apurou que o decano tem demonstrado incômodo com as revelações feitas pelo The Intercept Brasil e indicado a possibilidade de acompanhar a divergência a ser aberta por Gilmar, que já acusou Moro de agir como “coaching” da acusação. “A resposta do poder público ao fenômeno criminoso – resposta essa que não pode manifestar-se de modo cego e instintivo – há de ser uma reação pautada por regras que viabilizem a instauração, perante juízes isentos, imparciais e independentes, de um processo que neutralize as paixões exacerbadas das multidões”, disse Celso na quinta-feira passada.
A afirmação do ministro foi interpretada no Supremo como sinal de que ele pode acompanhar Gilmar e Lewandowski para declarar Moro suspeito, o que formaria maioria a favor de Lula.
Dados
Em outro julgamento com impacto na Lava Jato, no próximo dia 20, o plenário do Supremo vai analisar a necessidade de autorização judicial para o compartilhamento de dados sigilosos por órgãos de fiscalização e controle, como a Receita e o antigo Coaf.
A discussão interessa ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Em julho, o presidente do STF, Dias Toffoli, determinou a suspensão de todas as investigações do País que utilizavam dados detalhados de inteligência financeira. A decisão ocorreu depois do pedido da defesa de Flávio, alvo de inquérito do Ministério Público do Rio que apura a suspeita de “rachadinha” – prática que consiste na apropriação de parte dos salários dos servidores -, quando ele era deputado estadual no Rio.
A expectativa de ministros é a de que a liminar de Toffoli seja confirmada na próxima semana, mas procuradores apostam em uma “modulação” para reduzir o alcance do entendimento.