Em resposta à decisão de Toffoli, o Banco Central autorizou o acesso do ministro às informações, comunicando a existência de 19.441 relatórios com dados de quase 600 mil pessoas (412.484 pessoas naturais e 186.173 pessoas jurídicas), incluindo autoridades com prerrogativa de foro privilegiado.
A Unidade de Inteligência Financeira (UIF), no entanto, alertou para um “número considerável de pessoas expostas politicamente – PEP – e de pessoas com prerrogativa de foro por função”. Interlocutores de Toffoli e fontes que acompanham o caso dizem, no entanto, que o presidente do Supremo ainda não acessou os relatórios, que lhe foram disponibilizados eletronicamente, mas que dependem de cadastro prévio no sistema para serem visualizados.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) avalia recorrer da decisão do presidente do Supremo. Procurado, o Banco Central informou que não vai comentar o caso.
O despacho sigiloso do ministro, cujo teor foi divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo, foi feito no caso em que Toffoli determinou a suspensão nacional de todos os processos judiciais em que tenha havido compartilhamento de informações da Receita e do antigo Coaf sem autorização judicial e para fins penais, o que beneficiou, entre outros, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
O plenário do STF vai analisar o tema na próxima quarta-feira (20). A expectativa de integrantes da Corte é a de que a liminar de Toffoli seja referendada pelo plenário, mas procuradores apostam em uma modulação dos efeitos, para reduzir o alcance da medida.
“Estão sendo disponibilizados para acesso pelo STF, mediante consulta (…), 19.441 RIF (relatórios de inteligência financeira) expedidos entre outubro de 2016 e outubro de 2019, com informações cadastrais, pessoais e financeiras de quase 600 mil pessoas naturais e jurídicas, incluindo pessoas expostas politicamente ou com prerrogativa de foro por função”, escreveu o procurador-geral do Banco Central, Cristiano Cozer, em ofício encaminhado ao STF. “É possível, outrossim, que parte das informações esteja relacionada a processos que tramitem sob segredo de Justiça ou a investigações que estejam em curso.”
Segundo o Estado apurou, o procurador-geral da República, Augusto Aras, avalia contestar a decisão de Toffoli, mas antes quer saber a dimensão dos fatos. A PGR deve definir nesta tarde a estratégia a ser tomada.
Membros do Ministério Público Federal ouvidos reservadamente pelo Estado reagiram com indignação à decisão de Toffoli. Para um subprocurador, Toffoli virou o “Grande Irmão” (em referência ao personagem de “1984”, de George Orwell) da era digital e a sua decisão contraria todo o sistema de sigilo bancário, privacidade, lei de lavagem, competência do STF, e até a nova lei de proteção de dados.
Toffoli determinou também que o Banco Central e a Receita detalhassem quais os procedimentos que foram elaborados a partir de análise interna das próprias instituições, quais foram abertos a partir de provocação de outros órgãos e quais os meios e plataformas pelas quais os relatórios tramitam (papel, e-mail, ou sistema digital).
A UIF (o antigo Coaf) informou que a única forma de acesso às informações solicitadas é a disponibilização desses documentos em uma pasta própria do sistema, com acesso exclusivo para o STF, como se o próprio STF fosse a autoridade competente originalmente destinatária de cada um desses RIF. “Para o acesso à referida pasta, é necessário o cadastramento da autoridade demandante, podendo ser o próprio ministro Dias Toffoli ou quem por ele for designado, em procedimento disponível eletronicamente”.
“Há, ainda, informações relacionadas a casos que certamente tramitam sob segredo de Justiça nas mais variadas instâncias do Poder Judiciário, além de relatórios enviados a autoridades competentes responsáveis por investigações que ainda podem estar em curso”, observou.
Prejuízos
Em missão no Brasil para avaliar possíveis riscos no combate à corrupção, um grupo de trabalho da Organização dos Estados para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) demonstrou preocupação com a decisão de Toffoli, que, em julho, vetou o compartilhamento de dados fiscais e bancários entre órgãos de investigação sem a prévia autorização judicial.
Se a decisão for mantida, segundo o presidente do grupo antissuborno da OCDE, o esloveno Drago Kos, “serão necessárias medidas mais fortes”. “Ainda vamos pensar no que fazer, mas a nossa reação vai ser forte”, disse Kos, em coletiva de imprensa na última quarta-feira (13).