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Comissões aprovam projeto que facilita venda de terras para estrangeiros

As Comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Agricultura (CRA) aprovaram, com emendas, nesta quarta-feira (11), projeto que facilita a aquisição de terras por pessoas físicas e jurídicas estrangeiras, com voto contrário dos senadores Paulo Rocha (PT-PA) e Jean Paul Prates (PT-RN). O Projeto de Lei (PL) 2.963/2019, que regulamenta o artigo 190 da Constituição federal, segue agora para a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), que terá decisão terminativa, ou seja, final no Senado.

De autoria do senador Irajá (PSD-TO), o projeto tem o objetivo de estimular a economia no campo e foi batizado pelo autor de “Terra para + Empregos + Alimentos”. Além da venda, a proposta também regulamenta o arrendamento de propriedades rurais brasileiras por pessoas físicas e jurídicas de outros países.

Houve voto em separado do senador Jaques Wagner (PT-BA), apresentado na discussão do projeto em 27 de novembro. Na ocasião, a discussão foi encerrada com o acordo de que senadores iriam procurar o relator para realizar as alterações necessárias no projeto. A preocupação de Wagner é a de que estrangeiros usem a terra apenas para benefício próprio e de seus países, sem nenhuma contrapartida de desenvolvimento e emprego para o Brasil.

Contudo, nesta quarta-feira, o relatório posto em votação não apresentava nenhuma modificação. O senador Paulo Rocha (PT-PA) questionou se as ponderações de Jaques Wagner não seriam consideradas, mas o relator, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que, devido à dificuldade de reunir as duas comissões para a deliberação, era melhor votar o relatório como estava e fazer as modificações na CCJ.

— De fato houve uma ponderação do senador Jaques Wagner em relação a esse tema e alguns pontos que poderiam ser agregados ao projeto, para garantir que houvesse a preservação das commodities nacionais, devidamente processadas, industrializadas agregando-se valor à produção nacional. Obviamente que é algo razoavelmente pertinente, mas, havendo encerrado a discussão e não havendo mais a possibilidade de emenda, eu sugiro que a gente faça a aprovação na sessão conjunta e esta discussão, com toda a sensibilidade nossa para que se possa reservar à Comissão de Constituição e Justiça, aí, sim, num acordo amplo eventualmente haver algum tipo de aperfeiçoamento do texto — argumentou Pacheco.

O Projeto

A venda de terras a estrangeiros é motivo de controvérsia há décadas, conforme estudo da Consultoria do Senado. O PL 2.963/2019 revoga a lei que regula a aquisição de imóvel rural por estrangeiros (Lei 5.709/1971), que prevê uma série de restrições para que eles possam adquirir terras no Brasil, como a limitação de dimensões das áreas que podem ser compradas e a exigência de autorização prévia do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para implantação de projetos agrícolas.

Na década de 1990, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu pareces que permitiram a companhias nacionais com controle estrangeiro e empresas de fora com participação brasileira adquirir propriedades sem essas restrições, mas em 2010, a AGU reviu esse entendimento e retomou os parâmetros da lei de 1971, o que limitou o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária nacional.

Conforme o projeto, os imóveis rurais adquiridos por sociedade estrangeira deverão obedecer a princípios da função social da propriedade e devem ser autorizados por ato do Poder Executivo, nos termos do artigo 1.134 do Código Civil.

O texto estipula que a soma das áreas rurais pertencentes e arrendadas a pessoas estrangeiras não poderá ultrapassar 25% da superfície dos municípios onde se situem. A aquisição de terras na região do bioma amazônico e áreas de fronteiras dependerão do aval do Conselho de Defesa Nacional.

O projeto prevê que o Congresso Nacional poderá, mediante decreto legislativo, por manifestação prévia do Poder Executivo, autorizar a aquisição de imóvel por pessoas estrangeiras além dos limites fixados na lei, quando se tratar da implantação de projetos prioritários para o desenvolvimento do país.

A compra de terras por investidores internacionais pode atrair investimentos ao país de cerca de R$ 50 bilhões por ano, conforme cálculos do senador Irajá.

“Possibilitar o ingresso de agroindústrias transnacionais no Brasil voltadas para o desenvolvimento da cadeia produtiva agrícola de longo prazo, que agreguem valor, gerem mais empregos e aumentem a qualidade e a quantidade da produção agrícola brasileira é, com certeza, um passo importante para o desenvolvimento sustentável de longo prazo que nós brasileiros há muito almejamos”, defendeu o parlamentar na justificativa do projeto.

Relatório

O senador Rodrigo Pacheco votou favoravelmente ao projeto, mas acolheu 16 emendas oferecidas por outros senadores. Segundo Pacheco, a frequência de transações comerciais envolvendo a aquisição de imóveis por pessoas estrangeiras é baixa e, portanto, não representa ameaça à segurança nacional, desde que realizada fora das áreas de fronteiras.

O risco de imigração e de desabastecimento ou insegurança alimentar pela instalação de grandes empresas exportadoras no país, segundo o relator, é baixo e não representou maior gravidade em outros momentos da história nacional.

“Na legislação internacional, chama a atenção que países de grande extensão territorial, como a Rússia, até estimulem a propriedade de terras por estrangeiros em seu território”, argumentou o relator.

De acordo com Rodrigo Pacheco, a insegurança jurídica torna necessário um marco legal mais consistente e atual para regulamentar o artigo 190 da Constituição federal.

“Seria saudável para a economia brasileira, porque o objetivo é liberar as empresas estrangeiras da limitação de aquisição ou arrendamento circunscrita a imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização vinculados aos seus objetivos estatutários”, explicou.

Confira abaixo as mudanças feitas pelo relator no projeto.

Conselho de Defesa Nacional

Entre as emendas acolhidas pelo relator, está a que suprime o assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional (CDN) nos casos de aquisições de imóveis rurais por pessoa estrangeira decorrentes de sucessão legítima. Mas foi incluída a necessidade de prévia manifestação do CDN no procedimento de autorização para aquisição de imóvel por estrangeiros além dos limites fixados na lei proposta, quando forem projetos prioritários para o desenvolvimento do país.

Comunhão de bens

Outra emenda acolhida é a que substitui a expressão “comunhão total de bens” por “comunhão de bens” para que, no caso de estrangeiro casado com pessoa brasileira, o regime de comunhão parcial de bens seja também apto a excluir os limites à aquisição de terra por este estrangeiro em relação à área do município.

Informações na escritura

Também foi incluída a obrigação de prestar, na escritura de aquisição de terra por pessoas jurídicas estrangeiras, informações sobre a estrutura empresarial no Brasil e no exterior. Além disso, o registro das informações relativas à estrutura empresarial no Brasil e no exterior no cadastro especial das aquisições de imóveis rurais deve ser mantido pelos cartórios de registro de imóveis.

ZEE

Foram inseridos ainda dois artigos na Lei 6.938, de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, para prever a disponibilização em sistema informatizado aberto, pelos entes estaduais e municipais, do Zoneamento Ecológico-Econômico. O objetivo é assegurar as finalidades, a integração e a compatibilização dos diferentes níveis administrativos e escalas do zoneamento e do planejamento territorial.

Voto em separado

Em reunião conjunta com a Comissão de Agricultura (CRA), foi lido voto em separado pela rejeição do projeto, apresentado por Jaques Wagner (PT-BA), no dia 27 de novembro. O senador solicitou um debate mais aprofundado sobre o tema, considerado por ele como “fundamental para a soberania política e alimentar”. Observou também que a matéria deveria ter sido tratada separadamente nas duas primeiras comissões de mérito. Recomendou ainda que o assunto seja deliberado igualmente pela Comissão de Relações Exteriores (CRE), antes de ir para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

No entendimento de Jaques Wagner, aquisição de grandes extensões de terras por capitais internacionais envolve questões de soberania nacional, segurança energética e alimentar, geopolíticas e geoestratégicas “que parecem estar sendo relativizadas pelo autor e pelo relator da matéria”.

O senador ressaltou que biodiversidade, terra e água assumiram significados cada vez mais estratégicos em escala global. Ele destacou que o Brasil, detentor de 13% da água doce do mundo, terras agriculturáveis abundantes e cerca de 22% da biodiversidade planetária, “não pode se omitir na proteção desses recursos contra a cobiça de países e empresas estrangeiras”.

Jaques Wagner lembrou que organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e o Banco Mundial têm alertado para os “graves desdobramentos” da compra de terras por parte do capital externo, principalmente na África e América Latina. Segundo o Banco Mundial, “esse processo já resultou na compra de mais de 65 milhões de hectares dos territórios dos países do Sul”. Isso, “na esperança de controlar o estratégico mercado de alimentos, a produção de novos medicamentos e de outras substâncias derivadas da biodiversidade e, no futuro, de comercialização de água doce”.

“Pois bem, na contramão dessa preocupante tendência mundial e da advertência dos organismos multilaterais, o atual governo tem anunciado que pretende vender terras a estrangeiros sem maiores regras prudenciais”, completou o senador.

Fonte: Agência Senado

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