Decisão de Fux é ‘descalabro’ e ‘desgasta imagem do STF’, diz Marco Aurélio Mello

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Brasília - Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem decidir hoje (9) sobre a possibilidade de retroatividade da Lei da Ficha Limpa e o princípio de presunção de inocência. Se os itens forem aprovados, eles passarão a valer nas eleições municipais do próximo ano. Os candidatos condenados com sentenças proferidas por colegiados, nos quais atuam mais de um juiz, e aqueles que renunciaram a cargo público ou mandato para se livrar da cassação do mandato não poderão mais concorrer às eleições. O relator da matéria é o ministro Luiz Fux. Ele está encarregado de três ações: uma proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB); outra pelo PPS; e uma terceira de responsabilidade da Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL). ATENÇÃO: Parlamentares, estudantes e outros representantes da sociedade civil fazem vigília e manifestação no STF, nesta quarta-feira (9), durante o julgamento da legalidade da Lei da Ficha Limpa.

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse nesta quinta-feira, 23, ao Estado/Broadcast, que a decisão do ministro Luiz Fux – que suspendeu a implantação do juiz de garantias por tempo indeterminado – gera insegurança jurídica e “desgasta barbaramente” a imagem do Supremo, classificando-a como um “descalabro”. Marco Aurélio quer que o tema seja analisado pelo plenário da Corte o quanto antes.

Nesta quarta-feira, 22, Fux impôs uma derrota ao Congresso Nacional, ao presidente Jair Bolsonaro e ao presidente do STF, Dias Toffoli, ao suspender, sem prazo definido, a criação do juiz de garantias. A medida prevê dividir entre dois magistrados a análise de processos criminais.

Fux apontou “vícios de inconstitucionalidade” na lei, ao derrubar a determinação de Toffoli, que há uma semana havia prorrogado por seis meses a criação da figura e até fixado uma regra de transição para os processos em andamento no País.

“Isso só leva ao descrédito da instituição, e é muito ruim porque gera insegurança jurídica. Onde já se viu vice-presidente, no exercício da presidência (durante o plantão) cassar ato do presidente? Isso é de um descalabro”, criticou Marco Aurélio. “Por enquanto, ainda não foi eleito presidente (do STF) o ministro Luiz Fux, nem muito menos tomou posse como tal.”

Fux assumiu o comando do plantão do Supremo no último dia 19 de janeiro, com as férias de Toffoli, e vai seguir responsável pelos casos do Tribunal considerados urgentes até a próxima quarta-feira, 29. O STF retoma regularmente suas atividades em fevereiro.

O vice-presidente do STF vai assumir efetivamente o comando do tribunal em setembro, quando se completa o período de dois anos da presidência de Toffoli. A decisão de Fux repercutiu dentro do Congresso. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a classificou como “desnecessária” e “desrespeitosa” com o Parlamento.

Autofagia

Na avaliação de Marco Aurélio, o episódio marca um “círculo vicioso”, que provoca “descrédito” na imagem do Supremo. “Desgasta barbaramente, só gera insegurança jurídica. Nos ombreamos, não há superioridade hierárquica (entre os ministros) e tudo deve ser feito para preservar a envergadura da cadeira do presidente do STF”, afirmou Marco Aurélio.

O ministro classificou a decisão de Fux como “autofagia” e lembrou que casos similares já ocorreram antes. Marco Aurélio destacou que, no final de 2018, concedeu três decisões liminares – derrubando a execução antecipada de pena, suspendendo um decreto da Petrobras e determinando a votação aberta para a presidência do Senado. Todas essas três decisões acabaram derrubadas por Toffoli.

“É uma autofagia, que começou lá atrás, quando Gilmar Mendes cassou decisão que eu implementara do Sean (garoto americano que se tornou centro de disputa judicial entre a família americana e brasileira), e posteriormente o próprio ministro Dias Toffoli no final de 2018 suspendeu três liminares que eu implementara ante o fato de não ter mais sessão do colegiado (devido ao início do recesso)”, lembrou o ministro.

Procurado pela reportagem, o gabinete de Fux não respondeu às críticas de Marco Aurélio até a publicação deste matéria.

Decisão

Em seu despacho de 43 páginas, Fux apontou a ausência de recursos previstos para a implantação da medida e a falta de estudos sobre o impacto no combate à criminalidade. “Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas”, criticou o ministro.

“O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa. Em outras palavras, tem-se cenário em que o Poder Legislativo induz indiretamente o Poder Judiciário a preencher lacunas legislativas e a construir soluções para a implementação das medidas trazidas pela lei, tarefas que não são típicas às funções de um magistrado”, escreveu Fux.

Conforme antecipou o jornal O Estado de S. Paulo no mês passado, a maioria do STF aprova a criação do juiz de garantias. Atualmente, o juiz que analisa pedidos da polícia e do Ministério Público na investigação é o mesmo que pode condenar ou absolver o réu.

A nova regra, agora suspensa por Fux, prevê que o juiz de garantias deverá conduzir a investigação criminal e tomar medidas necessárias para o andamento do caso, como autorizar busca e apreensão e quebra de sigilo telefônico e bancário, até o momento em que a denúncia é recebida. A partir daí, outro magistrado deve acompanhar o caso e dar a sentença.

Fonte: Estdão