“Desde que começou essa conversa de reforma da Previdência, há mais de dois anos, todo mundo que estava perto de se aposentar correu para garantir o benefício. É claro que a fila iria aumentar. Só o governo não percebeu. Estou tentando desde fevereiro do ano passado, já tem quase um ano. Dependo desse dinheiro. Enquanto a minha aposentadoria não sair, não posso parar de trabalhar”, diz.
Afastado do emprego desde outubro, André de Oliveira, de 40 anos, aguarda ser chamado para a perícia médica. Já Aline Azevedo, de 29, deu viagem perdida: o sistema marcou a perícia em duplicidade e ela vai precisar voltar no fim do mês para ser atendida. Em busca de informações para a mãe, de 70 anos, a empregada doméstica Elaine Duarte espera na fila. “Eles falam que nem precisa ir na agência e que basta tirarmos as dúvidas pelo aplicativo, mas a gente não tem acesso à internet.”
Casos como os deles têm sido cada vez mais frequentes. Há uma fila estimada de 1,3 milhão de pedidos de benefícios, esperando para serem processados.
De acordo com a presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), Adriane Bramante, os sistemas da Previdência receberam um volume muito superior à média nos últimos meses e ainda não foram atualizados para receber os pedidos de aposentadoria feitos após a reforma. A fila de processos que se formou até agora é apenas dos contribuintes que já tinham direito à aposentadoria ainda pelas regras antigas.
“Os sistemas estão inoperáveis: tudo o que foi pedido até 13 novembro, antes da reforma, está sendo analisado com lentidão, pelo volume alto de pedidos e pela falta de pessoal. O que veio após a reforma nem pode ser analisado, porque não se pensou em um período de adaptação dos sistemas após a mudança”, diz Bramante.
A avaliação entre especialistas de direito previdenciário é que o INSS não estava preparado para o aumento de demanda que ocorreria naturalmente quando a reforma da Previdência começou a ser discutida, ainda no governo Temer, em 2017, e mesmo durante a aprovação do texto, no fim do ano passado, já no governo Bolsonaro.
Força-tarefa
Para tentar zerar a pilha de processos, o governo anunciou na última semana a contratação temporária de até 7 mil militares que estão na reserva. Eles devem receber um adicional de 30% sobre a remuneração, a ser paga pelo INSS. A meta é zerar a fila até setembro.
Com a força-tarefa composta pelos militares, a Secretaria de Previdência estima um custo extra de R$ 14,5 milhões por mês, durante nove meses – o que daria um total de R$ 130,5 milhões. Segundo o governo, eles devem exercer atividades como organização, triagem, emissão de senhas e extratos, recepção e digitalização de documentos.
Bramante, do IBDP, lembra que a análise de processos de aposentadoria e de concessão de benefícios é complexa e não se pode esperar que os militares temporários assumam essa responsabilidade. “Mesmo para atividades mais simples, de atendimento no balcão, é complicado ter pessoas sem treinamento. Com a reforma da Previdência, muitos contribuintes têm ido às agências para entender as novas regras e precisam de orientação especializada.”
Até a primeira metade do ano passado, pouco mais de 10% dos servidores analisavam os pedidos. O governo quer liberar 2,1 mil para reforçar as análises.
Funcionário do INSS há 26 anos, Moacir Lopes, que também é diretor da Fenasps (federação que representa os servidores), lembra que o déficit estimado no passado era de 16 mil servidores e que o último concurso foi feito há quatro anos.
“O INSS entrou numa espiral de inoperância e agora o governo quer colocar militares para executarem um trabalho para o qual não foram treinados para fazer. Por que não contratar servidores aposentados do próprio INSS, de forma emergencial?”, questiona Lopes.
Na última sexta-feira, 17, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) ingressou com pedido de medida para suspender o recrutamento dos militares, argumentando que a medida viola a Constituição, ao prever contratação de uma carreira específica e sem realização de concurso público.
Segundo a Secretaria de Previdência, a seleção dos militares demanda um decreto presidencial e uma portaria ministerial e não há previsão legal para convocar servidores aposentados do próprio INSS. A autarquia também afirma que os seus sistemas começaram a ser atualizados em agosto do ano passado e que mais da metade deles já está atualizada.
195 dias de espera
Na fila do INSS à espera de benefício, os brasileiros chegam a aguardar seis meses e meio até uma resposta do órgão. Enquanto isso, o dinheiro não pinga na conta – é só depois do sinal verde do governo que os valores atrasados são pagos, com correção monetária. A maior espera é de quem solicita o benefício assistencial voltado para idosos e pessoas com deficiência de baixa renda (o chamado BPC): são 195 dias, em média.
A fila de pedidos no INSS transbordou após a transformação digital do órgão, em 2018, que eliminou uma porteira anterior que represava os requerimentos: a necessidade de agendamento para ingressar com a solicitação do benefício.
Ao retirar essa trava, o governo recebeu uma enxurrada de solicitações e não teve braço suficiente para atender à demanda: até o primeiro semestre do ano passado, só 2,7 mil dos 23 mil servidores atuavam na análise dos pedidos, que no período oscilaram entre 700 mil a um milhão por mês. No segundo semestre, a atual gestão triplicou a mão de obra que faz a análise, mas a herança acumulada ficou.
A situação mais dramática foi observada em julho do ano passado, quando os pedidos acumulados beiravam os 2,4 milhões. No início deste ano, caíram a 1,9 milhão – mais de dois terços deles, porém, sem uma resposta há mais de 45 dias, prazo legal para o INSS dizer se concede ou não o benefício.
Por trás da fila, no entanto, a radiografia da espera é diversa. Enquanto quem pede, por exemplo, o auxílio-doença, espera em média 23 dias por uma resposta, há quem fique mais de seis meses sem uma posição do órgão oficial.
No caso das aposentadorias, o tempo médio de concessão é de 125 dias. No caso das pensões, a espera fica em torno de 86 dias. No salário-maternidade, a média é de 63 dias.
O governo promete resolver o problema em seis meses, considerando o período de abril a setembro de 2020, quando espera colocar em operação os 7 mil militares que pretende contratar para funções administrativas no INSS. O objetivo é liberar 2,1 mil servidores do próprio órgão para reforçar as análises.