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Auxílio para quem precisa

Rio de Janeiro - Moradores do Complexo da Maré vivem expectativa de mudanças sociais. Conjunto de barracos à beira de um canal conhecido como favelinha da Mc Laren (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Desde que os cuidados de higiene pessoal e distanciamento social passaram a ser divulgados como forma de conter a circulação do novo coronavírus, moradores de favelas, ativistas e influenciadores também vêm usando as redes sociais para denunciar as dificuldades que a população dessas comunidades terá para atender às orientações e se proteger da doença.

Fundador do jornal Voz das Comunidades, René Silva foi um dos que apontou questões como a falta de saneamento, o custo dos produtos de higiene e a impossibilidade de trabalhar de casa.

“Eu estou muito preocupado com esse vírus no nosso país. Óbvio que ele vai atingir a maior camada de pobres possíveis, disso eu não tenho a menor dúvida, mas os métodos de prevenção são muito difíceis para a nossa realidade”, publicou no Twitter, rede social em que seu jornal noticiou a falta d’água esta semana no Complexo do Alemão, que concentra uma das maiores populações em favelas no Rio de Janeiro.

Os moradores de favelas superam 20% da população da cidade do Rio de Janeiro, segundo o principal dado disponível sobre o tema, o Censo 2010. Cerca de 1,4 milhão de pessoas moravam nessas comunidades na época da pesquisa, contingente que é maior que a população de Milão, considerada epicentro da epidemia na Itália. Esse número provavelmente é ainda maior hoje, já que, segundo o Instituto Pereira Passos, a área ocupada pelas favelas no município do Rio de Janeiro aumentou de 46,57 km2 em 2010 para 46,86 km2 em 2018.

Problemas históricos como falta de acesso à água, alta concentração de casas de poucos cômodos e ausência de ventilação tornam as favelas locais que precisam de ações específicas na prevenção ao coronavírus, alerta o sanitarista e professor emérito da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Paulo Buss.

Professor de uma instituição atuante em favelas vizinhas como o Complexo da Maré e Manguinhos, Paulo Buss aponta que as soluções passam por diálogo com lideranças das comunidades e também dependem da consciência de empresários e famílias que empregam os moradores das favelas. Ele defende que o Poder Público amplie programas sociais como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada, para que as ausências no trabalho ou gastos com produtos de higiene não se tornem uma ameaça à subsistência das famílias. Por outro lado, empregadores precisam flexibilizar jornadas de trabalho ou remunerar trabalhadores informais e diaristas mesmo em sua ausência, para que essas famílias possam se estruturar para a prevenção do vírus.

“Isso tem que ser feito com muita urgência, porque a epidemia já chegou”, alerta. “É muito difícil encontrar a solução mágica. Teremos que encontrar diversas soluções que precisam ser construídas ouvindo as lideranças comunitárias”.

Em coletiva de imprensa realizada na quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a distribuição de vouchers para trabalhadores informais, que terão valor equivalente ao Bolsa Família e começarão a ser distribuídos nas próximas semanas, com duração de três meses.

Higiene

O sanitarista da Fiocruz também recomenda que haja distribuição de materiais como álcool, sabão e detergente, para ajudar não apenas na higienização das mãos, mas também de utensílios domésticos como pratos, talheres e copos que serão utilizados por pessoas doentes que não necessitem de internação.

O pesquisador também vê como possível a construção de espaços de isolamento para doentes sem gravidade em locais próximos de suas casas, já que o contato próximo em moradias de um cômodo gera grande exposição de outros membros da família.

“Se formos organizados, no momento em que se diagnostica um caso que não precisa de hospital, e, sim, de isolamento, ofereceremos espaços de isolamentos próximos a casa dessa pessoa”, diz ele, que vê como alternativa os doentes receberem máscaras para ajudar no isolamento do vírus no momento de tosses e espirros dentro de casa. Essas máscaras, entretanto, precisam ser trocadas a cada três horas e descartadas imediatamente em sacos fechados, já que contêm grande concentração do vírus.

Na China, o governo utilizou quartos de hotel para abrigar doentes sem gravidade que não conseguiriam ficar isolados em suas próprias casas. Buss explica que a resposta de cada país depende de suas condições, mas pede que o enfrentamento da doença nas comunidades passe por um fortalecimento da medicina de família.

“Essas unidades têm um papel importante no diagnóstico precoce”, analisa o especialista defendendo ainda um trabalho intenso de educação em saúde que utilize as estruturas das associações de moradores.

A preocupação com o isolamento dos doentes que moram em casas de apenas um cômodo levou parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro a aprovar um projeto que autoriza o governo do estado a requisitar propriedades privadas, como hotéis, pousadas e até motéis, para viabilizar o cumprimento de quarentenas, isolamentos e demais tratamentos médicos. Segundo o projeto, os proprietários terão direito de receber pagamento posterior pela utilização do espaço.

Transporte alternativo

Outro ponto que requer atenção do Poder Público, na visão do pesquisador da Fiocruz, é o transporte alternativo, muito utilizado por moradores de periferias e favelas. Vans lotadas de pessoas em pé são locais de alto risco de contágio e os fornecedores desse serviço precisam ser conscientizados e fiscalizados para que isso não ocorra. Ele pede a ampliação da oferta de transporte público para que os veículos circulem menos lotados.

“Essas pessoas dependem desse deslocamento para ganhar de manhã o dinheiro que vai comprar o que comer à noite. Milhares de pessoas vivem dessa forma. Vans e ônibus têm que ampliar a oferta do transporte”, explicou.

Buss se preocupa também com a estigmatização dos moradores das favelas caso haja grande número de casos nesses locais. Sem atenção adequada a essas populações, a doença tende a se espalhar nessas comunidades e, depois disso, voltar aos demais bairros da cidade na circulação desses moradores em transportes públicos, empresas e residências.

“Não vamos criminalizar as favelas e as populações pobres por essa doença. Se a favela e as populações pobres tiverem uma explosão de casos, a estrutura social brasileira é a responsável, não serão eles. Eles estarão sendo duplamente punidos”.

Desigualdades históricas

Moradora da Nova Holanda, no complexo da Maré, a coordenadora da equipe de assistência social da organização não governamental Redes da Maré, Joelma Sousa, concorda que a distribuição de kits de higiene e a ampliação de programas de transferência de renda podem ajudar na prevenção à doença nas comunidades. Ela avalia, no entanto, que a crise do coronavírus torna urgente a solução de desigualdades que se acumularam historicamente.

“Uma epidemia como essa mostra as nossas fragilidades, como estão postas, e como para gente sempre é pior. E que são os nossos corpos que estão morrendo cada vez mais. Quando não é de bala, é uma doença, falta de acesso à informação, falta de acesso à saúde”, critica.

A assistente social vê com preocupação as condições de moradia nas favelas, em que a falta de ventilação e a existência de esgoto a céu aberto cria ambientes com umidade e mofo, que agravam problemas respiratórios. O aumento do preço do álcool gel é outro ponto de alerta na visão dela.

“A gente não tem, enquanto trabalhador assalariado, condição de comprar um álcool gel que está custando R$ 29. A gente não consegue manter isso”.

Apesar das dificuldades, ela afirma já ver moradores tentando se prevenir na Maré, como mototaxistas que têm usado máscaras, medida que, na verdade, tem sido indicada apenas para doentes e profissionais de saúde que irão atendê-los. “Temos que criar estratégias para que esse contágio seja mais lento do que foi em outros locais do mundo”.

Procurada pela Agência Brasil, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro não mencionou a distribuição de kits de higiene e informou que as unidades de atenção básica intensificaram as orientações para a população atendida nas comunidades, reforçando a necessidade de evitar sair de casa e detalhando as formas de higiene pessoal e do ambiente.

“[Os profissionais] recomendam ainda a destinação de um local da casa para o familiar com suspeita de coronavírus. Se houver apenas um cômodo, a orientação é que pessoas infectadas devem tentar permanecer a pelo menos um metro de distância dos demais moradores”, diz a resposta enviada à reportagem.

Edição: Valéria Aguiar

Agencia Brasil de Comunicação

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