A comunidade da região da Lapa, na zona oeste da capital paulista, está mobilizada pela reabertura do Hospital Sorocabana, que atendia pelo Sistema Único de Saúde e está desativado desde 2010, quando a associação que administrava a unidade interrompeu as atividades e devolveu o prédio para o governo do estado. O pedido da comunidade ocorre neste momento de lotação das unidades de saúde devido à pandemia de covid-19, já que o local tem capacidade para a instalação de ao menos 150 leitos, de acordo com informações do Conselho Participativo Municipal (CPM) da Lapa.
O terreno que abriga o hospital pertence ao governo estadual, mas seu uso foi concedido ao município, inicialmente por um decreto de 2013 e posteriormente atualizado em decreto de 2016, por um prazo de 20 anos. No entanto, há um imbróglio entre as duas esferas governamentais quando o assunto é investir na reabertura do Sorocabana.
A prefeitura informou, em nota, que, como o terreno do Sorocabana pertence ao governo do estado, chegou a ser cogitada uma permuta com uma área pertencente ao município que abriga o Instituto Dante Pazzanese – administrado pelo estado. “Mas por questões jurídicas que envolvem o terreno do Hospital Sorocabana, a transação foi considerada inviável. Portanto, ficam inviabilizados investimentos naquele local, além dos que já foram feitos”, diz a nota.
O município não informou quais as questões jurídicas que impediram a transação nem os motivos que inviabilizam os investimentos para a reabertura do hospital. Nos dois primeiros andares do prédio, atualmente, já funcionam equipamentos municipais, são eles: uma AMA (Assistência Médica Ambulatorial), desde 2012; um Hospital Dia da Rede Hora Certa – para procedimentos de baixa complexidade – e um Centro Especializado de Reabilitação (CER), desde 2016. Segundo a prefeitura, as três unidades de saúde funcionam mediate Termo de Cessão do estado ao município de São Paulo.
O governo do estado afirmou que foi concedido uso integral da edificação para o município e que, portanto, a questão da reabertura do Hospital Sorocabana diz respeito à prefeitura. O decreto 61.902 de abril de 2016, assinado pelo então governado Geraldo Alckmin, autorizou o uso do imóvel que abriga o Hospital Sorocabana, a título gratuito e pelo prazo de 20 anos, em favor do município de São Paulo. “O imóvel de que trata o ‘caput’ deste artigo destinar-se-á a suprir a carência de leitos hospitalares naquela região do município, voltados ao atendimento da população SUS-dependente”, especifica o decreto.
Instalações do hospital
“Do ponto de vista da estrutura, o hospital apresenta condições favoráveis a uma reforma emergencial para atender, mediante novo projeto, às necessidades técnicas atuais, tanto que funcionam os três serviços de saúde [municipais] no térreo dele”, disse Toni Zagato, coordenador do Conselho Participativo Municipal (CPM) da Lapa, que participou de vistoria ao local em outubro de 2018, junto a vereadores da Câmara Municipal de São Paulo.
Ele acrescenta que “os outros cinco pavimentos estão ociosos, fechados, e poderiam ser readaptados, mesmo que não sejam para o coronavírus, uma vez que já há falta de leitos no já saturado sistema hospitalar municipal”.
Zagato contou que o conselho levantou as questões jurídicas e legais que envolvem o imóvel. “O próprio estado foi quem cedeu – cessão é um instrumento jurídico precário, ele tem data para terminar e a qualquer momento o estado pode pedir de volta o imóvel. Então o estado cedeu [inicialmente] em 2013 o Sorocabana por 20 anos para a prefeitura, o instrumento de cessão em tese é do prédio inteiro. A prefeitura instalou ali os serviços que eram mais simples de serem adaptados à estrutura do hospital rapidamente, então são esses três serviços de saúde”, explicou.
Segundo o conselheiro, a partir de então, especialmente depois da mudança na gestão do município de Fernanda Haddad para João Doria, a prefeitura passou a alegar que não poderia fazer investimentos mais caros porque o imóvel voltaria para o estado em algum momento. “Esse é o nó em que nenhum dos dois está dando todos os detalhes do caso. A prefeitura de fato tem a cessão, mas alegou diversas vezes que não poderia fazer investimentos muito grandes porque o imóvel não será dela permanentemente. E o estado, embora tenha cedido, ainda poderia reaver, após esses 20 anos, o imóvel”, disse.
Ações da sociedade
O Conselho Participativo Municipal (CPM) da Lapa entregou um ofício, com a assinatura de mais 57 Conselheiros Participativos Municipais de toda a cidade, no final do mês passado ao prefeito Bruno Covas e ao governador João Doria, requerendo a imediata inclusão do Hospital Sorocabana nos planos de contingência e combate à pandemia do novo coronavírus, mediante sua abertura imediata e atendimento integrado ao SUS.
Segundo informações do CPM, em 2010, quando o hospital foi fechado, havia disponibilidade de ao menos 150 leitos. “Neste grave momento de risco às vidas de milhares de pessoas, sobretudo idosas e imunodeprimidas, até mesmo espaços não hospitalares, como Anhembi e Estádio do Pacaembu, foram incluídos nos planos de contingência à pandemia”, diz trecho do ofício.
Para o conselho, o prejuízo não atinge apenas aos moradores do bairro da Lapa e dos bairros mais próximos como Butantã e Pinheiros, mas se estende à população da zona noroeste, como Perus e Pirituba, e cidades da região metropolitana, já que o hospital é acessível por trens e fica próximo ao terminal de ônibus da Lapa. Com isso, o CPM estima que a área de abrangência do hospital poderia chegar a um milhão de pessoas.
No entanto, Zagato informou que a prefeitura, em resposta ao ofício apresentado, reconheceu que a região da Lapa não tem nenhum leito hospitalar destinado ao Sistema Único de Saúde, e que o Hospital Sorocabana é uma referência para a região e sua reativação é demanda legítima, entretanto, para o enfrentamento da covid-19, segundo o município, esta não é uma opção tecnicamente viável. O governo do estado ainda não respondeu ao conselho sobre o ofício.
À Agência Brasil, a prefeitura disse, em nota, que, para atendimento de saúde, a região da Lapa conta com duas AMA/UBS Integradas, 14 Unidades Básicas de Saúde, um Centro de Saúde Escola e o Pronto Socorro Municipal João Catarin Mezomo. O Hospital Municipal José Soares Hungria, localizado em Pirituba, o Hospital e Maternidade Municipal Mário Degni, Hospital Universitário (FMUSP), ambos no Butantã, e o Hospital das Clínicas e a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, no centro da cidade, são unidades de referências para o atendimento de urgência e emergência dos moradores da região da Lapa, ainda de acordo com a prefeitura.
O Comitê de Defesa do Hospital Sorocabana, movimento popular de saúde criado em agosto de 2018, encaminhou também ofício à Promotoria de Saúde Pública do Ministério Público do estado de São Paulo solicitando a urgente inclusão do Sorocabana nos planos de contingência da pandemia do da covid-19. Eles pedem a reabertura imediata e atendimento integrado ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Apoio na Câmara Municipal
A vereadora Juliana Cardoso acompanha o processo de mobilização para reabertura do Sorocabana desde sua desativação, ainda em seu primeiro mandato, e tem trabalhado desde então dentro da Câmara Municipal de São Paulo para ajudar a viabilizá-la. Diante da pandemia de covid-19, ela defende que o espaço seja reaberto para ajudar no atendimento aos pacientes, inclusive, podendo abrigar um hospital de campanha, como foi feito no estádio do Pacaembu e no complexo do Anhembi.
“Ali você tem condição de ter de 150 a 200 leitos de atendimento para a pandemia agora. Eu estou impressionada como é um local que não entrou ainda na campanha de pandemia, sendo que ele tem estrutura, ele está pronto para poder ser usado, ele não tem problema estrutural do prédio. Porque para a própria ida dos equipamentos [municipais] de saúde lá para o Hospital Sorocabana, ele passa por essa análise também de engenheiros para saber se o prédio está em condições de receber os serviços”, explicou Juliana.
A vereadora ressaltou que, como o município decretou estado de calamidade pública, há a possibilidade de destinar recursos para que o hospital atenda pacientes durante a pandemia. “Não tem mais por que não abrirem o Hospital Sorocabana, porque tem dinheiro, estamos em uma crise de pandemia que dá condições jurídicas de abertura rápida e imediata, então na minha opinião falta uma vontade política sim do prefeito Bruno Covas”, disse. “Quando você entra nesse estado de calamidade pública, tanto governo estadual quanto municipal tem poder de, sim, resolver locais que precisam abrir, equipamentos de emergência”.
Ela acrescenta que “já estão prontas as salas [no prédio], só precisa de uma reforma de pintura, limpeza, dar uma olhada na hidráulica e na elétrica e pronto, iniciar [os atendimentos]”. A vereadora defende que, após a utilização do local para atendimento voltado à pandemia, o hospital possa continuar em funcionamento para o atendimento da população local que pede há anos pela reabertura da unidade.
Edição: Valéria Aguiar