Pesquisadores da Fundação de Medicina Tropical e da Universidade Estadual do Amazonas iniciaram um estudo para analisar a eficácia da aplicação de cloroquina como forma de tratamento da covid-19. Os resultados preliminares apontaram riscos à vida dos pacientes que receberam altas doses da substância.
Os pesquisadores analisam o emprego de cloroquina em 81 pacientes em estado grave. A investigação envolveu a identificação das doses mais adequadas. No estudo, os pesquisadores viram que a aplicação de doses mais altas (600 miligramas) duas vezes ao dia por dez dias) teve um efeito agressivo e gerou efeitos colaterais, como arritmia cardíaca ou até mesmo a morte.
O estudo é realizado no Hospital Delphina Aziz, em Manaus. Ao todo, 60 cientistas estão envolvidos na pesquisa, que conta com bolsas da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e recebe apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas (FAPEAM).
Diante dos riscos e de parte dos pacientes testados ter vindo a óbito, o braço da pesquisa que trabalhava com altas dosagens foi interrompido pelo Comitê de Monitoramento de Dados e Segurança, órgão externo e independente.
“Há enorme pressão para utilizar cloroquina no tratamento de covid-19. Os resultados apresentados servem como um alerta, oferecendo evidências mais robustas para protocolos de tratamento de covid-19”, diz o investigador principal do estudo, Marcus Vinícius Guimarães de Lacerda, pesquisador da Fiocruz Amazônia.
Doses menores
Já o tratamento com doses menores (450 miligramas duas vezes no primeiro dia e uma vez ao dia por quatro dias) teve melhor aceitação dos organismos dos pacientes submetidos ao exame. Contudo, ao avaliar se o vírus havia sido eliminado no quinto dia, a pesquisa constatou a permanência do coronavírus, o que não permite assegurar, até o momento, a eficácia do tratamento utilizando o medicamento.
Segundo os pesquisadores, é preciso realizar mais testes para aferir se a cloroquina tem de fato alguma eficácia no tratamento de pacientes com a covid-19 em decorrência da infecção com o novo coronavírus.
Além deste estudo, outro está sendo conduzido por um grupo de hospitais, como o Albert Einstein, o Hospital do Coração, Oswaldo Cruz e Sírio-Libanês, em uma rede que se autodenominou Coalizão CovidBrasil. No total, há nove ensaios clínicos avaliando não somente a cloroquina, mas formas diversas de tratamento contra a covid-19.
Recomendações
O presidente Jair Bolsonaro tem defendindo o uso da cloroquina como tratamento para a covid-19. O Ministério da Saúde incluiu em seus protocolos a sugestão de aplicação em pacientes com gravidade média e alta, mas mantendo a norma corrente na medicina de que cabe ao médico a decisão sobre prescrever ou não a substância ao paciente.
No guia de diagnóstico e tratamento publicado nesta semana pelo Ministério da Saúde, a pasta afirma que não há consenso entre as pesquisas acerca da eficácia da cloroquina.
Em entrevista coletiva na semana passada, o ministro Luiz Henrique Mandetta acrescentou duas ponderações sobre a adoção desse recurso. A primeira é o fato de diversos pacientes chegarem com sintomas de gripe e levar tempo até a confirmação da infecção pelo novo coronavírus.
A segunda é que 85% dos infectados se curam com tratamento normal para síndrome gripal, com outros medicamentos. “Será que seria inteligente dar remédio para 85% das pessoas que não precisam dele e tem efeitos colaterais?”, questionou.
Ele acrescentou que a definição sobre uma recomendação de aplicação da cloroquina será feita pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) a partir da análise das pesquisas. Em sua última posição sobre o tema, de 20 de março, o CFM ressaltou que não há comprovação da eficácia da cloroquina.
Em nota divulgada na quinta-feira (9), a Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ABAI) destacou que os estudos envolvendo a cloroquina ainda são incertos. Embora a droga tenha um efeito conhecido no tratamento da malária e de outras doenças autoimunes, como lúpus, há receios no tocante à covid-19 por conta das gravidades nas manifestações cardíacas.
“Enquanto aguardamos a emergência de novos ensaios clínicos randomizados multicêntricos para avaliar os benefícios da contribuição de cloroquina / hidroxicloroquina no tratamento do COVID-19, e em função do exposto acima, esses medicamentos não devem ser prescritos de modo generalizado e indiscriminado nos casos leves e ambulatoriais da doença. Por outro lado, podem ser prescritos com extrema cautela e em condições clínicas específicas da COVID-19”, defende a ABAI.
Na semana passada, a prefeitura de São Paulo anunciou que a Secretaria Municipal da Saúde vai incluir a cloroquina como uma das formas de tratamento para o coronavírus nos hospitais municipais. No entanto, lembrou que o uso da substância só é autorizado para pacientes internados, quando houver prescrição do médico e desde que o uso seja autorizado formalmente pelo paciente ou por sua família.
Edição: Juliana Andrade
Agencia Brasil de Comunicação