MP do Trabalho

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A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski de que os acordos de redução de salário e jornada de funcionários de empresas privadas apenas terão validade após a manifestação de sindicatos pode provocar, por um lado, insegurança jurídica nas relações de trabalho, e, por outro, dá equilíbrio a excessos da Medida Provisória do governo Jair Bolsonaro. Esta é a opinião de advogados da área trabalhista, que divergem sobre os impactos da MP e da decisão do ministro.

A medida faz parte do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda para evitar com que as empresas demitam durante o período da crise provocada pelo novo coronavírus. O ministro permite que os acordos individuais sejam usados pelos sindicatos para iniciar uma negociação coletiva da categoria. Se os sindicatos não se manifestarem, o acordo individual fica valendo.

“Tudo indica que a celebração de acordos individuais de redução da jornada de trabalho e redução de salário ou de suspensão temporária de trabalho, cogitados na medida provisória, sem a participação dos sindicatos de trabalhadores na negociação, parece ir de encontro ao disposto na Constituição”, escreveu o ministro, que submeteu a decisão para referendo do plenário do STF. Ainda não há previsão de quando a Corte vai se debruçar sobre o tema.

Karen Viero, especialista em Direito do Trabalho, avalia que era evidente a inconstitucionalidade da MP 936/20 quanto à redução da jornada e do salário do trabalhador sem a anuência do sindicato da categoria.

“O ministro levou em conta o que vem ocorrendo nas relações trabalhistas no mundo capitalista nesta época de pandemia e decidiu que é válida a celebração de acordo individual de redução da jornada de trabalho e salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho, desde que comunicada pelos empregadores ao respectivo sindicato, no prazo de dez dias, para que este, querendo, deflagre a negociação coletiva. E caso a entidade não se manifeste, a inércia significará anuência ao acordado pelas partes”, afirma a sócia do Chiarottino e Nicoletti Advogados.

Cristina Buchignani, advogada especialista em negociações coletivas em geral, considera que a decisão resguarda o direito constitucional de representação da categoria. “Mas é de se esperar que o exercício desse direito se dê, efetivamente, com a finalidade maior de preservar empregos e renda, neste momento inédito em que o mundo se curva a um vírus”, diz a sócia da área trabalhista do Costa Tavares Paes Advogados.

Para a advogada Paula Corina Santone, “se por um lado é possível dizer que a MP 936/2020 representou um progresso em relação à redação original da MP 927/2020, que permitia a suspensão dos contratos de trabalho sem qualquer compensação financeira, por outro pode-se concluir que ela está eivada de flagrante inconstitucionalidade ao prever a possibilidade de redução de salários sem a participação sindical, mediante simples acordo individual entre empregado e empregador”.

Ela lembra que a Constituição Federal, ao tratar dos direitos sociais, prevê a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

“Aliás, a própria reforma trabalhista que tanto prestigia o negociado sobre o legislado, igualmente determina que a pactuação de redução de salário ou jornada ocorrerá por convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho que deverá prever a proteção dos empregados contra a dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento, precisamente em conformidade com o texto constitucional que veda a irredutibilidade de salários, salvo negociação coletiva”, reforça. Na opinião da advogada, sócia da área Trabalhista do Rayes & Fagundes Advogados, a decisão busca promover a segurança jurídica de todos os envolvidos na negociação.

Mariana Machado Pedroso, advogada trabalhista, diz que a decisão do ministro Lewandowski visa compatibilizar a Medida Provisória 936 com a Constituição Federal. “É preciso acrescentar, como ponto de destaque dessa decisão do STF, o deslocamento da atuação sindical na proteção dos direitos do empregado que, como regra geral, se dá antes do acordo, durante a negociação, para depois do acordo firmado. Agora, eventual inércia do sindicato profissional poderá efetiva e diretamente prejudicar seu representado”, ressalta a sócia do Chenut Oliveira Santiago Advogados.

Segundo Luís Augusto Egydio Canedo, sem entrar na questão jurídica de mérito, o que mais preocupa é a insegurança jurídica causada aos empresários e empregados. “Teria de haver um diálogo prévio entre os três Poderes para apresentar regras claras à sociedade. O Executivo traz uma regra, o Judiciário altera a regra emanada do Executivo e daqui a pouco o Legislativo edita uma norma diferente. Ao final, o que era para servir de socorro aos empregadores e empregados, adiciona insegurança jurídica ao atual ambiente de indefinição econômica”, critica o sócio do Canedo e Costa Advogados,.

Wilson Sales Belchior, conselheiro federal da OAB, avalia que “a determinação tem o potencial de causar dúvida razoável, reduzir a celeridade que foi pensada no design jurídico do Programa Emergencial e dificultar, em alguns casos, o recebimento dos benefícios”. Tudo isso “na velocidade em que os impactos econômicos e financeiros da pandemia se aprofundam, o que não retira a prudência buscada na decisão ao buscar conciliar a preservação máxima da norma impugnada e a proteção de direitos”, afirma o sócio de Rocha, Marinho e Sales Advogados.

O advogado especialista em direito do trabalho Mauricio Corrêa da Veiga explica que a decisão do ministro não proibiu o acordo individual, apenas estabeleceu uma condicionante, no caso a comunicação do acordo ao respectivo sindicato para que seja deflagrada a negociação coletiva. No entanto, Corrêa da Veiga alerta que é provável que os sindicatos não tenham, hoje em dia, musculatura para propor negociação com todas as empresas que optarem por fazer os acordos individuais que serão encaminhados ao sindicato e a inércia da entidade importará na anuência com o que foi estabelecido nos acordos individuais.

“É uma grande oportunidade para os sindicatos de empregados que forem atuantes, procurarem os sindicatos patronais para que sejam celebradas Convenções Coletivas, pois estas assegurariam maior segurança jurídica para todos os envolvidos”, afirma.

Segundo o advogado Willer Tomaz, embora intencionada para a garantia da equidade e do equilíbrio entre o empregado e o empregador, a decisão do ministro Lewandowski tende a gerar mais prejuízos do que benefícios e pode frustrar os objetivos da Medida Provisória.

“O momento de calamidade e urgência reclama maior dinamicidade e flexibilidade nas negociações, de modo que a anuência sindical como requisito de validade para cada acordo individual firmado no país impõe entraves capazes de frustrar, ao menos parcialmente, os objetivos da MP 936, pois a demora, o aumento da burocracia e o acirramento do conflito de interesses desestimulam uma possível composição amigável entre os sujeitos da relação jurídica trabalhista, tendendo a aumentar, na prática, a quantidade de demissões e de fechamentos de pequenas empresas”, explica Willer.

Por Estadão