O advogado Luis Botto Maia, ligado ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), se comunicou com o miliciano Adriano da Nóbrega em dezembro do ano passado, quando o ex-policial militar já estava foragido, de acordo com informações do Ministério Público do Rio de Janeiro.
O encontro, segundo os investigadores, foi precedido de uma reunião com Fabrício Queiroz e o advogado Frederick Wassef, que defende Flávio e o presidente Jair Bolsonaro. Além de Botto Maia, também participou do contato Márcia Aguiar, mulher de Queiroz -ex-assessor do senador e amigo do miliciano.
De acordo com a Promotoria, os dois se encontraram em 3 de dezembro do ano passado com Raimunda Veras Magalhães e Julia Lotufo, mãe e a mulher de Adriano, respectivamente, em Astolfo Dutra (MG), cidade da zona da mata mineira.
A existência do encontro e o teor foi identificado por meio de mensagens no celular de Márcia, cujo conteúdo foi apreendido em dezembro do ano passado, durante o cumprimento de mandados de busca e apreensão.
De acordo com as mensagens, Queiroz orientou a mulher a se encontrar Botto Maia a fim de receber instruções. No dia 30 de novembro, Raimunda pede para que Márcia a encontre pessoalmente no dia seguinte na cidade mineira, a 273 km do Rio de Janeiro.
A prova apresentada pela Promotoria para apontar como razão do encontro uma comunicação indireta com Adriano é uma mensagem em que Márcia relata a Queiroz que também estaria presente a mulher do miliciano.
“A esposa do amigo vai estar com a mãe dele terça-feira [dia 3/12/19]. Aí ela vai falar com o amigo sobre o recado. Depois que ela falar com o amigo, ela vai entrar em contato comigo”, escreveu Márcia. O amigo, para os investigadores, é o miliciano até então foragido Adriano da Nóbrega.
Os textos apontam que, um dia antes da reunião, Botto Maia se encontrou com o advogado Frederick Wassef em Atibaia, onde Queiroz esteve ao longo do último ano.
“Anjo já foi?”, perguntou Márcia a Queiroz no dia 2 de dezembro, usando o apelido atribuído a Wassef. “Gustavo já foi embora?”, questionou ela em seguida.
De acordo com as mensagens, Márcia ficou na casa de Raimunda por três dias até a chegada de Botto Maia. Na noite da reunião, 3 de dezembro, Queiroz recebeu da mulher uma foto do três. Julia não aparece na imagem.
Botto Maia atuou na campanha de Flávio Bolsonaro ao Senado em 2018 e foi responsável pela prestação de contas do PSL no Rio de Janeiro quando o filho do presidente esteve à frente da sigla no estado. No ano passado, recebeu uma procuração de Flávio para ser seu representante legal junto ao MP-RJ no acompanhamento da investigação do caso da “rachadinha”.
Atualmente, o advogado ocupa cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Rio como assessor parlamentar do deputado Renato Zaca, ex-PSL e atualmente sem partido. Até o final de março deste ano, ele foi chefe de gabinete do deputado estadual Dr. Serginho, bolsonarista líder do PSL na Casa.
O advogado é irmão do bombeiro tenente-coronel Lauro Botto, preso, quando então capitão, durante manifestação dos bombeiros em 2011 por melhores salários e condições de trabalho. Ainda deputado estadual pelo PP, Flávio defendeu Lauro em plenária na Assembleia e auxiliou para que fosse solto.
As mensagens indicam ainda que Raimunda e Márcia se encontraram no dia 17 de novembro, supostamente com a resposta de Adriano para Queiroz. O MP-RJ chega a afirmar em sua peça que o miliciano iria organizar um plano de fuga para toda a família do ex-assessor de Flávio. Não há no pedido de prisão, contudo, indicação da origem desta informação.
Queiroz e Adriano trabalharam juntos no 18º Batalhão da PM. Foi por meio do PM aposentado que familiares do ex-PM foram contratadas como assessoras no gabinete de Flávio: sua ex-mulher, Danielle Mendonça da Costa da Nóbrega, de 2007 até novembro de 2018, e Raimunda, de abril de 2016 a novembro de 2018.
Após mais de um ano foragido, o ex-PM foi morto numa operação policial em fevereiro passado, comandada pela Secretaria de Segurança da Bahia. A polícia investiga as circunstâncias da morte. A família afirma que ele temia ser alvo de uma “queima de arquivo”.
As investigações apontam que Queiroz foi abastecido por repasses de contas bancárias controladas por Adriano. A estimativa do MP-RJ é que o ex-assessor de Flávio tenha recebido do miliciano mais de R$ 400 mil ao longo dos 11 anos sob investigação (2007 a 2018).
Os promotores apontam ainda indício de que Queiroz teria influência sobre milicianos que atuam em Rio das Pedras, grupo comandado por Adriano segundo outras investigações.
A suspeita se deve a uma mensagem recebida por Márcia de um homem não identificado que pede a intervenção de Queiroz para solucionar desentendimento com um comerciante do bairro.
O áudio, encaminhado a Queiroz, indica que o homem foi cobrado por integrantes da milícia por ter sido acusado de agressão pelo comerciante.
“Eles foram lá na Tijuquinha, né, os ‘caras que comanda aqui’ e foi falar que eu bati nele, isso e aquilo. Uma coisa que não aconteceu. Os ‘meninos’ me chamaram. Entendeu? Só que eu conheço eles, né. Conheço os ‘meninos’ tudo. Aí, poxa. Aí eu queria que se desse para ele [Queiroz] ligar, se conhecer alguém daqui, Tijuquinha, Rio das Pedras, os ‘meninos’ que cuida daqui”, disse o homem.
O ex-assessor de Flávio responde à mulher pedindo para avisar ao interlocutor que ele não poderá ligar para ninguém.
“Isso aí vai, uma ligação dessa acontece de eu estar grampeado, vai querer me envolver em algum coisa aí porque o pessoal daí vai estar tudo grampeado. Isso aí a gente, eu posso ir quando estiver aí pessoalmente…”, disse Queiroz.
A suposta influência na quadrilha foi um dos fundamentos da prisão de Queiroz. Ele foi preso nesta quinta-feira sob suspeita de ser o operador financeiro da “rachadinha” no antigo gabinete do senador na Assembleia. Ele é acusado de atuar na manipulação de provas do esquema, atrapalhando as investigações.
Márcia, mulher de Queiroz, também foi alvo de mandado de prisão do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, mas não foi localizada em seu endereço. Ela já é considerada foragida pelo MP-RJ.
O magistrado determinou a perda da função pública de Botto Maia, bem como o comparecimento regular à Justiça e proibição de contato com testemunhas do caso.
ITALO NOGUEIRA E CAMILA MATTOSO
DA FOLHAPRESS