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Pandemia faz Congresso “esquecer” da reforma política. Mas também há outro motivo

Em fevereiro de 2019, no início da atual legislatura, o deputado Darci de Matos (PSD-SC) usou o plenário da Câmara para defender uma reforma política no país como resposta ao que chamou de um “recado” dado pela população nas urnas em 2018. Ele não foi o único. Da esquerda à direita, frases como “precisamos de uma reforma política”, “vamos fazer uma grande mudança” e “se Deus quiser, faremos uma reforma política” apareceram em pelo menos 22 discursos no plenário e em mais de 50 reuniões de comissões da Casa desde então.

Só que a eloquência não se traduziu no avanço de projetos sobre o tema. E o Congresso “esqueceu” a agenda da reforma política durante a pandemia de coronavírus. Mas a Covid-19 não é a única explicação para esse “esquecimento”: os parlamentares temem mexer em regras que podem prejudicá-los.

No Senado, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), são 60 projetos relacionados à reforma política, a maioria deles parada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Entre eles estão propostas que vão da redução pela metade até a extinção do Fundo Eleitoral, a criação de um Estatuto da Democracia Partidária e a instituição de passe livre no transporte coletivo interestadual em dias de votação.

Na Câmara, há 52 proposições protocoladas até agora que tratam de temas relacionados a mudanças eleitorais, segundo levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

Sete delas são relacionadas à pandemia, como mudanças de calendário no pleito de 2020 ou a definição de regras de higienização durante a votação a serem aplicadas por causa do coronavírus.

Entre outros projetos, que não avançaram, estão os que preveem a mudança no sistema eleitoral – propondo, por exemplo, o voto distrital e distrital misto para as câmaras municipais.

Também há propostas para criminalizar o caixa 2 eleitoral e para obrigar os eleitos a cumprirem suas promessas eleitorais. Há ainda projetos que tratam do direito de voto pela internet e do voto em trânsito para determinadas categorias profissionais, como caminhoneiros e militares.

Parlamentares só veem possibilidade de votar a reforma política em 2021

Os projetos de reforma política ganhou uma subcomissão própria dentro da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Presidida por Luiz Philippe Orleans e Bragança (PSL-SP), a subcomissão de reforma política foi formalizada em novembro e teve só quatro encontros antes da pandemia.

“Neste ano, nada aconteceu por causa da pandemia. A ideia era fazer audiências públicas e um grande debate sobre o tema. Não acho uma boa ideia levar direto ao plenário, pois é um tema muito técnico”, diz o deputado. “Ninguém está contente com o modelo atual. Esquerda e direita concordam quanto a isso, mas divergem nas propostas. Por isso precisamos debater. Eu imagino que vamos ter, se Deus quiser, várias décadas de reformas políticas.”

Os deputados Alan Rick (DEM-AC) e Marcel van Hattem (Novo-RS) são alguns dos que defenderam uma reforma política urgente em discursos no plenário da Câmara, mas que agora entendem que o foco precisa ser o combate à pandemia.

“Não acredito que seja possível [discutir a reforma política]. As atenções estão voltadas a votações de medidas de combate ao novo coronavírus e à recuperação da economia”, afirma Rick.

Van Hattem sugere que o debate seja feito em 2021. “Uma reforma política precisa ser feita com tempo, com um debate, e não durante uma pandemia. É preciso ter comissões instaladas com debate mais plural possível. Melhor deixar para o ano que vem, fazendo mudanças para a próxima eleição.”

O próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tirou o assunto das prioridades de votações deste ano. Após o foco nas medidas de combate ao coronavírus, as reformas econômicas voltarão à agenda do Parlamento. Maia já citou as reformas tributária e administrativa como temas que serão discutidos neste segundo semestre. A reforma política, não.

Além da Covid-19, o outro motivo para a reforma política não avançar

O foco no combate à pandemia e a seus efeitos econômicos, porém, não é a única explicação para a paralisia das discussões sobre a reforma política.

“Os parlamentares estão temerosos [de discutir a reforma política]”, afirma o analista político Antônio Augusto de Queiroz , do Diap. “O atual Congresso está preocupado em preservar o horário eleitoral e os fundos eleitoral e partidário. Por isso, talvez não tenha havido muita iniciativa legislativa nesse campo. Estão preocupados, pois alterar essas proposições seria eliminar ou reduzir esses recursos [eleitorais].”

O cientista político Kleber Carrilho, da Universidade de São Paulo (USP), tem uma avaliação semelhante. “Existe uma dificuldade de quem está no poder, sobretudo no Congresso, em transformar aquele espaço em algo a que mais pessoas possam ter acesso. Uma reforma política só acontece com pressão popular, como aconteceu na Lei da Ficha Limpa”, diz Carrilho. “O atual modelo dá grandes benefícios a quem já tem mandato. Uma reforma política de verdade é um risco para quem está no poder.”

País coleciona pequenas mudanças a cada eleição

Enquanto não ocorre uma ampla reforma política, o Brasil coleciona pequenas mudanças de regras a cada eleição. O pleito deste ano, por exemplo, não terá coligações em eleições proporcionais. Ou seja, os partidos não poderão estar coligados nas disputas pelo cargo de vereador. A medida foi aprovada em 2017, mas passou a valer apenas neste ano. A partir de 2022, também vai incluir a eleição para deputado federal e estadual.

Já uma mudança aprovada em 2019 pelo Congresso permite que as siglas utilizem o Fundo Partidário para bancar serviços de advogados e contadores, inclusive em processo judicial e administrativo de interesse partidário que envolva candidatos da legenda.

Antes dessas mudanças, outras “novidades” foram incluídas aos poucos no sistema político-partidário do país. Nos anos 1990, foram permitidas as doações eleitorais de empresas (hoje proibidas), a redução do mandato presidencial de cinco para quatro anos e a permissão de uma reeleição para cargos do Executivo. Mais recentemente, foram aprovadas a Lei da Ficha Limpa, o fim das doações de empresas e a cláusula de barreira (que tenta reduzir o número de partidos no país).

Por Pagina do Estado

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