Os índices de inflação têm mostrado uma desaceleração na alta dos preços – mas a população de baixa renda não tem sentido esse efeito no bolso.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, acumula alta de apenas 0,10% no ano até junho, após ter registrado deflações em abril e maio, em plena pandemia do coronavírus.
No entanto, o que mais pesa no bolso da população de baixa renda, que são os alimentos, vem subindo bem mais que o índice geral de inflação. Entre os fatores que explicam esse “descolamento” destacados por economistas estão os seguintes:
- com a queda na renda, o consumo diminuiu e o foco passou a ser na compra de alimentos básicos que compõem a cesta básica – com o aumento da demanda, os preços subiram;
- estocagem de alimentos em decorrência do isolamento social, sobretudo por parte das famílias de classe média e média alta, que impulsionou os preços, prejudicando as famílias com renda mais baixa;
- desvalorização do real frente ao dólar, que acabou afetando os preços de alimentos como milho, soja e trigo e encareceram os preços das carnes, pães, biscoitos e macarrão, por exemplo.
- efeitos sazonais, principalmente ligados ao clima, que acabaram afetando safras, plantações e pastagens.
Segundo o IPCA, a alimentação variou 4,09% de janeiro a junho, enquanto o índice geral ficou em 0,10%.
Braz elenca vários fatores para essa alta. No começo do isolamento social, o medo do desabastecimento fez as famílias estocarem alimentos, aumentando a demanda pelos produtos, o que contribuiu para o aumento mais rápido nos preços.
Com o fechamento de restaurantes e lanchonetes, as refeições passaram a ser feitas em casa, o que fez o consumidor reforçar a despensa e resultou no aumento da demanda.
Outro ponto relevante tem a ver com a valorização do dólar, que influencia bastante os preços de alimentos como milho, soja e trigo. “O trigo encareceu pão francês, biscoito, macarrão e várias outras coisas que são de uso cotidiano. O milho e a soja não vão direto à mesa do consumidor, mas servem de ração animal para as proteínas que a gente consome. As aves comem milho, então se o milho fica mais caro, o frango encarece também. Suínos e bovinos se alimentam de rações à base de soja e milho, então a gente também vê o encarecimento dessas carnes também por conta desses custos com ração”, explica Braz.
Problemas não relacionados com a pandemia também influenciaram no aumento dos alimentos, como maior demanda por ovos na Quaresma e problemas com a safra do feijão.
“Os alimentos da cesta básica como arroz, feijão, ovos, carne, macarrão, leite, café, que são o grosso da nossa cesta básica, pressionaram mais o custo de vida, tiveram uma demanda mais forte. Isso ajuda a aumentar o preço, mas também houve a questão cambial, a preocupação do consumidor com desabastecimento e certa disposição para estocar, o que não ajudou muito a conter o avanço dos preços”, diz Braz. “Então o grande problema da inflação nos últimos meses ficou na alimentação e, por isso, ela afetou mais o público de baixa renda que gasta mais com esse tipo de despesa”.
Em março, quando o isolamento social começou, o IPCA subiu 0,07%. Em abril caiu 0,31% e em maio a queda foi de 0,38%, voltando a subir 0,26% em junho(veja gráfico abaixo).
“Nós tivemos os últimos meses com taxas baixas e duas negativas, mas as famílias não perceberam isso, principalmente as de baixa renda. Isso ocorre porque, quanto menos se ganha, mais o orçamento fica concentrado na compra de alimentos, na subsistência básica da família”, comenta o economista.
IPCA junho/2020 — Foto: Economia G1
“Tem ainda aquela sensação de que a inflação está subindo porque a sua renda diminuiu e você não consegue comprar o que quer. Isso contribui também para que as famílias de baixa renda sintam um aperto maior no bolso”, diz.
Braz explica que a alimentação tem peso de 20% no IPCA. Os outros 80% correspondem a produtos e serviços que ficaram com os preços relativamente estáveis no período porque não estavam disponíveis devido ao isolamento, como atividades relacionadas ao lazer e turismo e serviços como oficina mecânica e salão de cabeleireiro.
O economista da FGV aponta que a gasolina caiu muito de preço entre março e início de maio, contribuindo para a queda da inflação. No ano, até junho, o recuo é de 11,88%. Mas, segundo ele, a gasolina não é um bem de consumo da baixa renda, que gasta com transporte público.
Além disso, produtos e serviços com preços controlados pelo poder público como transporte público e planos de saúde foram adiados em função da pandemia, o que contribuiu também para a queda da inflação.
“Portanto, a inflação dos mais humildes ficou muito concentrada em alimentos, e quanto mais a gente gasta com isso, mais a gente percebe que a nossa inflação está ali e é exatamente o que aconteceu com a baixa renda”, diz Braz.
De janeiro a junho, no ranking dos 20 itens com maior variação de preço, todos são do grupo de alimentação. A cebola lidera, com alta de quase 95%. Apesar de não estar entre 20 itens com maior alta, o arroz avançou 13,19%, o leite longa vida subiu 13,03%, o ovo, 11,5%, e o óleo de soja, 8,67%.
Veja os itens com maior alta no ano até junho:
- Cebola: 94,72%
- Manga: 67,12%
- Batata-inglesa: 66,47%
- Cenoura: 52,73%
- Abobrinha: 46,28%
- Morango: 42,71%
- Peixe-tainha: 40,81%
- Alho: 38,5%
- Feijão-mulatinho: 33,45%
- Batata-doce: 28,56%
- Feijão-macáçar (fradinho): 28,1%
- Feijão-preto: 27,92%
- Feijão-carioca (rajado): 26,62%
- Coentro: 25,66%
- Açaí (emulsão): 24,68%
- Pepino: 22,58%
- Cheiro-verde: 19,86%
- Tomate: 19,53%
- Peixe-filhote: 19,25%
- Pimentão: 16,42%