Muito antes do mundo viver o isolamento social, Guilherme Giudice, técnico do Santos Feminino, começou a viver a própria quarentena. Logo no início do ano, ele foi diagnosticado com câncer no pescoço, no abdômen, no diafragma e entre os pulmões e precisou se afastar de algumas atividades com as Sereias da Vila. Hoje, curado e de volta à área técnica, ele enxerga que a adversidade serviu para o aproximar das pessoas de quem gosta.
De volta ao comando das Sereias da Vila, o treinador tem na superação um motivo extra para acreditar na conquista do Brasileiro Feminino A-1. O Peixe é o atual líder da competição.
“Acredito que esse bom desempenho das Sereias seja decorrente de toda entrega que as meninas têm de sempre buscar o melhor e conquistas para o clube. Mas esse ano gerou um motivo a mais para a gente buscar com mais força o título e que seria uma forma de homenagem”, disse o treinador, em entrevista exclusiva ao site da CBF.
Guilherme descobriu o primeiro câncer quando ainda era auxiliar técnico do Santos, em abril do ano passado. Meses depois, surgiu a oportunidade de comandar o Alvinegro Praiano. Quando muitos poderiam ver as portas se fecharem, Gui recebeu um apoio muito importante das atletas e do clube e decidiu abraçar a chance, lutando dentro e fora dos gramados.
“O que mais me motivou a aceitar o desafio foi o fato de poder assumir a equipe das Sereias da Vila, uma das principais equipes do futebol feminino. Nosso gerente, o Alessandro, tinha conhecimento de todo o problema, mas mesmo assim me fez o convite para assumir a equipe. E isso me deixou muito motivado, porque é um orgulho imenso trabalhar aqui no Santos, ainda mais podendo assumir a equipe como treinador. Fiquei muito feliz por toda a confiança da diretoria mesmo sabendo da doença, do tratamento, por ter confiado em mim para esse cargo tão importante e o principal desafio da minha carreira até agora”, relembrou.
Embarcado na difícil missão de conciliar o trabalho como treinador e o tratamento de quimioterapia, ele não perdeu as esperanças em momento algum. Pelo contrário: manteve-se equilibrado e confiante, participando ativamente dos treinamentos. Após a partida contra o Cruzeiro, em fevereiro, ele teve de se afastar definitivamente do time. O trabalho seguiu, mesmo à distância, e logo em seguida veio a paralisação por conta da pandemia de coronavírus.
Para não deixar o ânimo cair em nenhuma das frentes, Guilherme precisou de muita força e apoio. Parte disso veio do carinho que recebeu das jogadoras, que o encheram de homenagens ao longo dos meses. Uma dessas demonstrações de afeto foi pouco antes da parada do campeonato. Quando Guilherme estava afastado com imunidade baixa, consequência da quimioterapia, as atletas prepararam uma homenagem especial para ele: uma foto das meninas deitadas no gramado formando a palavra “Gui”, para enviar boas energias para ele no hospital.
“Essa homenagem me deu muita força. Foi um dos momentos mais importantes em todo o processo do tratamento. Eu estava internado, tive uma queda de imunidade muito grande e precisei ficar internado cinco dias. Aí recebi essa demonstração de carinho que ficou marcada na minha vida. Não só essa como todas, desde o dia em que contei para elas da minha situação. No primeiro dia de quimio, por exemplo, a Brenda e a Erikinha foram me visitar e convenceram as enfermeiras de me liberarem para ir aos jogos”, recordou.
A preocupação das atletas não parou durante a quarentena. Guilherme foi para São Caetano ficar com sua família e equipou uma sala para transformar seu quarto-escritório durante esse período e poder continuar em contato com a comissão técnica e com as atletas. Assim que acordava, todos os dias, notava que o celular já tinha recado das jogadoras, mensagens de bom dia e interesse em se manter atualizadas sobre o seu tratamento. No decorrer do isolamento, Guilherme também pôde se manter mais conectado com sua família e, depois que toda a turbulência passou, ele tira de lição a importância desses momentos e faz planos para o futuro.
“Família é o que nós temos de mais importante e temos que aproveitar cada momento que temos com as pessoas que amamos. A proximidade com a minha família e o contato com os amigos me deram forças de acordar para ir ao tratamento e fazer o melhor possível para ficar bom o quanto antes. Quando tudo normalizar, eu vou fazer uma viagem bem bacana em família, para que todos possamos aproveitar belos momentos juntos”, declarou.
Alanna , Guilherme Giudice e Maria Dias
Créditos: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/ SantosFC
Em busca do título
O Brasileiro Feminino voltou no dia 26 de agosto e, desde então, as Sereias estão na liderança somando 24 pontos com 8 vitórias, 1 derrota e nenhum empate. Levando em consideração tudo que Guilherme passou em sua vida pessoal, a forma como foi técnico presente em meio a distância e o calendário atípico devido a pandemia, é um alívio poder ver o seu clube no topo da tabela. Mas esse, digamos, acalento veio de muita dedicação de toda comissão técnica e das atletas em querer coroar o ano das adversidades.
De modo geral, Guilherme tem visto uma evolução na modalidade. Desde 2016, ele trabalha com futebol feminino, já foi auxiliar técnico da Seleção Feminina, do São José e do Santos. Mas, hoje, ele enxerga que há mais seriedade no estímulo ao futebol feminino e que esse é o caminho para a renovação da Seleção.
“Talvez esse ano seja o ano mais disputado do Campeonato Feminino, em toda a sua história. E isso mostra como os clubes têm evoluído e investido nas categorias de base. Esse trabalho fortalece os clubes, as competições e, consequentemente a Seleção Brasileira. O máximo que a gente pode buscar no futebol é representar a Seleção e é por essa razão que a gente valoriza cada atleta convocada, pois reflete nosso trabalho e renovação da modalidade”, finalizou.
Fonte: CBF
Crédito de imagem: Créditos: Pedro Ernesto Guerra Azevedo/ SantosFC