Vulnerabilidade e abusividade em relações de consumo geram superendividamento prolongado

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Idosos compõem o grupo de consumidores vulneráveis ao assédio de bancos e empresas de crédito. - Foto por: Jana Pessôa/Setasc

Inadimplência, falta de planejamento financeiro e situações abusivas – inclusive dentro do núcleo familiar – são algumas das razões para o superendividamento entre os idosos e aposentados brasileiros. Na semana em que se comemora o Dia do Idoso (1° de outubro), o Procon-MT dá visibilidade à urgência de enfrentar essa crise que atinge milhares de famílias.

São pessoas como Maria de Fátima*, 73 anos, que enfrenta a situação de superendividamento há uma década. Tudo começou quando ela sofreu um golpe no qual perdeu a casa própria. A idosa foi enganada pelo parceiro, à época, e teve a residência vendida sem a sua permissão. Tentando recuperar a estabilidade e retomar a vida, Maria começou a optar pelos empréstimos consignados, o que se tornou uma prática recorrente e sem controle, resultando no superendividamento.

O empréstimo pessoal contraído junto a bancos e financeiras é principal responsável pelas negativações de CPF no Brasil. Levantamento realizado em 2019 pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e pelo Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) mostra que 69% dos usuários da modalidade de crédito estão com restrição no nome. Logo em seguida estão o crediário (68%) e o cartão de crédito (67%).

Pelo consumidor.gov.br, as reclamações relativas a crédito consignado são as mais frequentes entre o público a partir de 61 anos. Em 2020, já são 423 demandas registradas por consumidores desta faixa etária em relação a consignados. As principais queixas são: 1) cobrança por serviço/produto não contratado /não reconhecido/ não solicitado ; 2) dificuldade para obter boleto de quitação ou informações acerca de cálculos, pagamentos, saldo devedor; e  3) cobrança indevida/abusiva para alterar ou cancelar o contrato.

Maria de Fátima, juntamente com os seus familiares, tenta negociar a situação junto a órgãos de proteção, e também por meio de conciliação junto às instituições financeiras. “Em geral, os valores cobrados são abusivos e não condizem com o que foi acordado no momento do contrato, por isso estamos sempre procurando formas de negociação ou mesmo registrando reclamação sobre os valores”, explicou a nora, Júlia*, que é quem ajuda Maria de Fátima com os processos.

Júlia diz que, além da infelicidade com o golpe que sofreu, a idosa também não possui um planejamento financeiro – assim como tantos outros idosos – e acaba não avaliando bem as propostas dos empréstimos. “Ela está sempre se endividando mais e mais. E realmente, a falta de dinheiro para lidar com as questões diárias a deixa mais vulnerável. Aí, com as diversas opções de empréstimo para o perfil dela, vai aceitando e acumulando dívidas”.

Milhares de brasileiros como Maria compõem as estatísticas da SPC Brasil sobre inadimplência e negativação de CPF. Em janeiro de 2020 o total de consumidores negativados chegou a 61,3 milhões, o que equivale a 39,2% da população adulta. Dentro deste cenário de negativados, são 33% apenas na faixa de 65 a 84 anos.

Idosos compõem o grupo de consumidores vulneráveis ao assédio de bancos e empresas de crédito. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) prevê proteção a este público no artigo 39, inciso IV: “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.

No caso de Maria de Fátima, assim como de tantos outros idosos brasileiros, os empréstimos foram se cumulando, somando mais de quatro, e a dificuldade de conseguir crédito levou Maria a pedir o apoio de outra pessoa para realizar compras.

Por falta de organização financeira, consequentemente, ela não conseguiu quitar a dívida, conta a Nora. “Ela precisa comprar remédios de alto custo, e nessa situação não tem como negar ajuda. Até o nome de um dos familiares já foi negativado, ou seja, isso acaba se tornando uma situação difícil, uma vez que envolve toda a família em uma rede de dívidas”.

Contra o superendividamento 

Tramita no Congresso Nacional, em regime de urgência, o Projeto de Lei nº 3515/2015, que altera a Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) e o artigo 96 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). O objetivo é definir regras para concessão de crédito ao consumidor, de forma a prevenir o superendividamento.

Proposto em 2015, regime de urgência para o PL foi aprovado apenas cinco anos depois, frente à situação econômica das famílias com a pandemia de Covid-19. A aprovação do projeto tem o apoio do Procon-MT, juntamente com a Associação Brasileira de Procons (Procons Brasil).

Atualmente, o brasileiro tem como ferramenta contra o assédio de instituições financeiras a plataforma “Não me Perturbe” (https://www.naomeperturbe.com.br), para bloquear chamadas telefônicas com ofertas de crédito consignado. Essa funcionalidade passou a valer em janeiro de 2020; até então o Não me Perturbe permitia apenas o bloqueio de ligações de Prestadoras de Serviços de Telecomunicações (telefone móvel e fixo, TV por assinatura e internet).

O sistema permite ao consumidor, de forma fácil e gratuita, bloquear a oferta de produtos e serviços por meio de contato telefônico. Basta acessar o site, cadastrar o número de telefone ao qual a pessoa deseja ter as ligações bloqueadas e marcar a empresa. As instituições financeiras têm 30 dias para se adequar às exigências do consumidor.

*Maria de Fátima e Júlia são nomes fictícios solicitados para preservação da identidade de ambas.    
Fonte: Beatriz Passos e Caroline Lanhi Procon-MT
Crédito de imagem: Idosos compõem o grupo de consumidores vulneráveis ao assédio de bancos e empresas de crédito. – Foto por: Jana Pessôa/Setasc