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Pesquisa da Unemat estuda a presença e imagem do negro na Literatura produzida em Mato Grosso

Depois de 132 anos da assinatura da lei que aboliu a escravidão no Brasil, o lugar do negro na sociedade brasileira continua desigual. Na literatura mato-grossense o lugar ocupado pelo negro a partir do século XXI começa mudar o rumo a fim de ultrapassar o estereótipo marginal e a colocar-se como sujeito do seu discurso. Essa é uma das conclusões que uma pesquisa desenvolvida por professores da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), chegou.  

Neste dia 20 de novembro, em que se comemora o Dia da Consciência Negra, por ser o dia da morte do líder e símbolo da resistência negra, Zumbi dos Palmares, a Unemat traz os resultados da pesquisa intitulada Cartografia e imagem de Mato Grosso: A presença do negro na produção literária dos séculos XX e XXI. Essa é uma temática pouco ou quase nada estudada no meio acadêmico em Mato Grosso.

A pesquisa foi coordenada pela professora Marinei Almeida, que é doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa e contou com financiamento da Fundação de Amparo a Pesquisa de Mato Grosso (Fapemat). A equipe de pesquisadores conta ainda com professores da Unemat e do Instituto Federal de Mato Grosso e com alunos da pós-graduação da Unemat e UFMT. 

A professora Marinei explica que se interessou em estudar esse tema depois de lecionar por alguns semestres a disciplina de Literatura Mato-grossense, no curso de Letras da Unemat em Pontes e Lacerda. “Eu já estudava e pesquisava as literaturas dos países africanos de Língua Portuguesa, portanto o meu tema já englobava o negro. Percebi, tanto na historiografia quanto em alguns poucos livros de crítica sobre a literatura produzida em Mato Grosso que não havia praticamente nenhum estudo que se debruçasse sobre o negro nessa produção”, conta.

A partir desse interesse, a pesquisadora começou a levantar questionamentos. “Como um espaço como Mato Grosso, território prenhe de mestiçagem e misturas, sua produção literária não dá ênfase ou problematiza o negro e seus contributos? Como, em um estado de caráter estritamente híbrido ainda estão silenciadas questões que envolvem a África, bem como os afrodescendentes no espaço de livros de crítica e historiografia literária? Qual é o objetivo dessa literatura ou da historiografia em não trazer para o espaço de reflexão tais questões? Como essa produção poderia estar articulando vozes, misturas, mesclagem e convivências por meio da presença do negro ou de suas metáforas correspondentes e ou até mesmo de temáticas, direta ou indiretamente, abordadas?”.

Metodologia

A partir desses questionamentos o grupo de pesquisa iniciou a seleção de obras e produções literárias para serem analisadas. O grupo decidiu priorizar as produções literárias publicadas entre as décadas de 20 do século XX até início do século XXI.  A primeira constatação foi de que poucas foram as obras em que aparecem a figura do negro, e nas em que ele aparece, sobretudo no século XX, na maioria traz o negro no lugar “engessado” das correntes ideológicas que consideravam o negro como inferior.

Entre essas obras em que o negro é apresentado de forma estereotipada pode-se citar alguns contos e o romance Piedade, de José de Mesquita que, juntamente com Dom Aquino, é considerado um dos maiores escritores do final da primeira década do século XX no estado. “O negro na escrita de José de Mesquita figura, ora no lugar da subalternidade, ocupando o último lugar da escala social e ora apresentado somente como mera presença figurativa na obra”, explica Marinei.

No entanto, a professora lembra que nessa mesma época, a atitude de um poeta corumbaense, Lobivar Matos, vai se diferenciar dos demais. “Ele traz o negro como matéria de sua poesia. Em uma das duas obras que Lobivar publicou em vida, no livro Sarobá, de 1936, ele aponta para a vida miserável que o negro vivia, ou melhor, sobrevivia, em bairro isolado onde apenas negros moravam em estado de fome, doença, morte e desemparo social. Este poeta questiona criticamente o lugar desse negro não somente na literatura, mas fora dela, já que a Literatura serve como um importante instrumento de questionar o status quo” e da própria realidade”, afirma a pesquisadora.

Segundo ela, no século XXI  podemos encontrar obras que “servem” os dois lados de representação ou apresentação do negro. Ela destaca algumas autoras do século XXI que, assim como Lobivar Matos fez em 1936 se diferenciando totalmente de seus contemporâneos, estas autoras trazem uma maneira diferenciada de olhar o negro, ora dando voz a esse sujeito negro, ora questionando o lugar desse negro na sociedade, são elas: Tereza Albués, Luciene de Carvalho e Neuza Baptista Pinto.

Resultados

Sobre a representação do negro nas literaturas produzidas em MT, em diferentes momentos, a pesquisa confirmou que há sim a representação do negro nessas produções, mas se diferenciam em momentos distintos. “Por exemplo, nos anos 30, 40, 50 do século passado, com exceção da produção poética do Lobivar Matos, onde temos a representação da opressão do negro em uma sociedade desigual, por meio de uma poesia ácida em que este poeta aponta para uma denúncia do racismo e desigualdade social do negro. Lobivar não dá palavra ao negro, no entanto pela voz poética aponta para a necessidade de uma consciência crítica sobre a situação do negro, suas tradições, alegrias e força, ao contrário de outras obras contemporâneas a dele,  como já citamos o romance e alguns contos e até alguns poemas, nos quais apresentam a confirmação dos estereótipos e visão preconceituosa do negro em uma sociedade que demonstra claramente a separação da divisão social, com um racismo ora velado, ora camuflado. Já no século XXI podemos afirmar, exceto algumas obras, que a representação do negro já muda o rumo à uma ultrapassagem do estereótipo e a assunção do negro como sujeito do seu discurso. Há também obras que apontam para a aceitação da identidade do negro em meio a uma sociedade ainda repleta de preconceitos, a que se acostumou relegar o negro à marginalidade”, resume.

A coordenadora da pesquisa lembra, no entanto, que os pesquisadores ainda darão continuidade aos trabalhos, uma vez que foram coletados muitos materiais que ainda serão analisados.

Possibilidades

A pesquisadora lembra que em Mato Grosso, como em todo o Brasil, a partir da Lei 10.639 de 2003, ampliada em 2008 pela lei 11. 645, que incluiu obrigatoriamente na rede de ensino disciplinas que tratam da História e Cultura da África e Afro-Brasileira e Indígena, houve um considerável avanço no que diz respeito ao tratamento do negro, não somente na produção de livros literários e disciplinas que tratam dessa temática. Segundo Marinei, a partir dessa legislação também aumentaram as ações que preconizam o respeito à diferença de uma sociedade multicultural e pluriétnica. “Acredito que essas ações precisam se intensificar não somente em Mato Grosso e no Brasil, como no mundo inteiro, sobretudo neste momento em que forças contrárias tentam ofuscar todo esse esforço e luta contra desigualdade social,  o racismo, a segregação, na grande maioria por “um defeito de cor”, que há séculos vem sendo engendrados”, afirma.

Equipe

A equipe é formada por professores tanto da Unemat, como Marinei Almeida como coordenadora, e os professores doutores Leonice Rodrigues Pereira; Susanne Castrilon e Isaac Newton de Almeida Ramos; do IFMT/Campus Pontes e Lacerda conta com a importante participação  do professor doutor Epaminondas Matos de Magalhães e com os pós-graduandos Celiomar Porfírio Ramos (PPGEL/UFMT e depois PPGEL/UNEMAT); Luana Soares (PPGEL/UFMT e depois PPGEL/UNEMAT).

Livro

Ainda sobre os resultados dos estudos e levantamentos sobre o papel que o negro ocupa na literatura de Mato Grosso está sendo organizada, por Marinei Almeida e pelo professor Epaminondas a publicação de um livro, que a princípio deve ter o mesmo nome do projeto de pesquisa.

O livro terá entre três e quatro capítulos, sendo um deles uma espécie de Dossiê sobre o poeta Lobivar Matos e outro abordando sobre a cultura afrodescendente em Vila Bela da Santíssima Trindade.

Fonte: Lygia Lima Assessoria/ Unemat
Crédito de imagem:

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