Aposta política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para tratamento precoce da Covid-19 – apesar de não haver comprovação científica –, comprimidos de cloroquina e hidroxicloroquina têm encalhado em estoques de municípios e estados brasileiros. Há casos em que o padrão de retirada serviria para um século de abastecimento.
No total, o Ministério da Saúde informa ter distribuído ao menos 5,9 milhões de comprimidos do remédio em todo o país. O Metrópoles consultou as 26 secretarias estaduais de Saúde, e a do Distrito Federal, e foi atrás das prefeituras das principais capitais brasileiras e grandes cidades do interior para mapear como estão os estoques do medicamento.
Procuradas há mais de uma semana, 16 secretarias estaduais de Saúde responderam (as outras 11 não se manifestaram). Juntas, receberam 4,715 milhões de comprimidos de cloroquina. Desse total, no entanto, 1,161 milhão de doses já foram devolvidas para o Ministério da Saúde, e 484 mil, estocadas (guardados para eventual futuro uso).
Só os efetivamente devolvidos, somados aos armazenados para qualquer eventualidade de súbito interesse pelo remédio, representam o não uso de quase 35% do total enviado pelo governo federal a todo o país – e com o balanço de 16 unidades federativas, não das 27. Mesmo nos 65% restantes, porém, os relatos são de quase total desinteresse pela substância advogada por Bolsonaro. Logo, os 2,449 milhões de comprimidos enviados (ou seja, não estocados nem devolvidos) por esses estados podem ainda estar parados nas inúmeras cidades brasileiras.
A apuração sinaliza que nos próximos meses pode haver uma nova enxurrada de remessas ao Ministério da Saúde de medicamentos pagos pelo governo federal em meio à campanha intensiva do presidente da República em defesa da cloroquina, e prestes a vencer.
O estado de São Paulo, onde gestores de saúde deliberaram, em sintonia com as recomendações científicas, pela não recomendação do uso da cloroquina em casos leves e moderados de Covid-19, recebeu 986 mil comprimidos do medicamento. O governo estadual resolveu devolver 588 mil doses e estocar 35 mil.
“Quero dizer que não se prescreve receita por decreto. São Paulo não vai aceitar que, por decreto, se estabeleça receituário médico. Em nenhuma parte do mundo se trata saúde por decreto ou medida de ordem política”, disse o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), em maio deste ano, sobre ato publicado por Bolsonaro.
Por Metrópoles