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Coluna – Em transição

© Acervo Pessoal/ André Rocha

O trânsito na volta para casa não abala o ânimo de André Rocha. Ele encara o caminho do Rio de Janeiro até Taubaté (SP) com a sensação de dever cumprido. No domingo (13), horas antes de por o pé na estrada, conquistou o quarto lugar no Campeonato Brasileiro de Tiro Esportivo na prova R4 (o chamado “tiro em pé”, em que o atirador não pode se apoiar na base) da classe SH2 (atletas que precisam de suporte para a arma). Foi a primeira vez que o paulista disputou para valer uma competição nacional da modalidade.

“No ano passado, participamos de forma informal, para conhecer a modalidade. De lá para cá, teve um crescimento interessante. Na prova do sábado [12], da R5 [em que o atirador apoia o cotovelo na mesa, o “tiro deitado”], não me saí muito bem, finalizei em quinto. Já no domingo, por muito pouco não pegamos o pódio. Acho que estava mais tranquilo e consegui controlar mais a respiração. Estamos iniciando, há muito trabalho a ser feito”, conta André, que fala no plural por ter o auxílio do filho no abastecimento da arma nas disputas.

André pode ser novo no tiro esportivo, mas não no paradesporto. O paulista de 43 anos fez história no atletismo, com recordes mundiais no lançamento do disco (prova na qual foi campeão mundial em 2017) e no arremesso do peso, nas classes F52 e F53 (cadeirantes com baixo controle de tronco). Foi a modalidade que abraçou em 2013, em um programa de esporte da prefeitura de Taubaté, oito anos após o acidente que o deixou paraplégico – ele era policial militar e caiu de um muro durante a perseguição a um assaltante.


André Rocha conquistou o ouro no Mundial em 2017, por Ivo Felipe/ CPB/ Divulgação/ Direitos Reservados

Segundo ele, a ideia era mudar de modalidade após a Paralimpíada de Tóquio (Japão), adiada para o ano que vem. A reclassificação funcional – processo que define o tipo e o grau da deficiência e qual a categoria do atleta – pela qual passou antes dos Jogos Parapan-Americanos de Lima (Peru), em 2019, fez com que decidisse antecipar os planos.

“Eu já passei por várias reclassificações, mas me mantinha na F53. Em Lima, passei por uma reclassificação onde me colocaram na F54 [menor grau de comprometimento físico-motor em relação a F53], que é uma classe que hoje não me pertence. No início da carreira sim, pois eu não tinha problema de membro superior. De 2016 para cá, passei a ter esse problema, tanto que cheguei a ser F52”, explica André, que em 2017, meses antes do Mundial, precisou realizar uma nova cirurgia devido à piora da lesão na coluna.

“Foi uma infelicidade de quem fez [a classificação], porque tirou minha possível medalha [de ouro] em Lima e a classificação direta para a Paralimpíada. Tirou mais uma vez a chance de defender meu país em uma Paralimpíada e trazer uma medalha. Tinha essa pretensão de ir para o tiro após Tóquio, fazer uma coisa gradativa, de forma tranquila. Como minha lesão aumentou, o tiro é um esporte que dá essa longevidade”, lamenta o paulista, que conquistou a medalha de bronze no arremesso do peso do Parapan, na classe F54.


Atleta conquistou o bronze no Parapan de Lima em 2019 – Daniel Zappe/ Exemplus/ CPB/ Divulgação/ Direitos Reservados

Nas palavras dele próprio, a mudança do atletismo para o tiro esportivo foi “radical”. O fato de ter sido policial militar, de acordo com André, não impacta tanto.

“O que auxilia é não ter o gelo de usar o armamento. Em contrapartida, é totalmente diferente. Um pequeno erro te coloca lá embaixo na pontuação. São adaptações, o conhecimento do material, das regras. O atletismo tem muita explosão, uma vibração diferenciada. O tiro é muito técnico, respiração. Você realmente tem de estar bem, focado, calmo, com o equipamento todo em dia. É tudo muito novo para mim, mas, assim como no atletismo eu tive meu início, está sendo assim no tiro. Estou tendo muita ajuda e apoio”, conta André, destacando o atirador Alexandre Galgani – que também é da classe SH2 e foi o primeiro atleta do país a se garantir na Paralimpíada de Tóquio – como um dos que mais o tem auxiliado.

Outro desafio do novo esporte é o custo para aquisição e manutenção dos equipamentos, como arma e munição. Segundo ele, os apoios da prefeitura de Taubaté e do Bolsa Atleta – do qual faz parte, por conta do atletismo – e o suporte da família têm sido fundamentais na transição. O paulista conta que, na volta do Parapan de Lima, a esposa vendeu o carro dela para que fosse possível comprar o armamento. Treinando no estande do Federal Clube, em Taubaté, André está de olho na Paralimpíada de Paris (França), daqui três anos.

“Não vim para o tiro esportivo brincar, distrair a cabeça. Pelo contrário. Sou muito competitivo e gosto desse clima. Acredito que para Tóquio, realmente, está muito difícil, muito em cima, não tenho nem classificação internacional ainda. Ao longo desses três, quatro anos, quero adquirir experiência. Se tiver a oportunidade de ir para fora [competir], quero sim. É importante para conhecer e amadurecer na modalidade. Para 2024, não tenha dúvidas que se tudo caminhar como eu pretendo que caminhe, vou brigar por vaga”, afirma.

“Infelizmente, a vaga [para Tóquio] me foi tirada no atletismo [com a subida de classe], não tem outra maneira de falar. Mas vou lutar para que, na próxima [Paralimpíada], eu consiga representar meu país como sempre fiz”, conclui André, que ainda disputará alguns torneios no atletismo em 2021, mas pretende focar 100% no tiro esportivo a partir de 2022.

Edição: Verônica Dalcanal

Fonte: Lincoln Chaves – Repórter da TV Brasil e da Rádio Nacional. – São Paulo
Crédito de imagem: © Acervo Pessoal/ André Rocha

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