Quem mora de aluguel certamente anda preocupado com o risco de ver o valor dessa conta aumentar muito acima do esperado. O Índice Geral de Preços Mercado (IGP-M), usado no reajuste anual dos contratos de aluguel em todo o país, tem passado por forte alta em 2020.
Nos últimos 12 meses, o IGP-M atingiu 24,52% de inflação acumulada, índice seis vezes maior do que o acumulado em novembro de 2019, de acordo com a última atualização da Fundação Getulio Vargas (FGV), que calcula o indicador mensalmente. Diante desse cenário, e com o mercado imobiliário fortemente abalado pela crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus, especialistas ouvidos pela Agência Brasil recomendam que as partes busquem uma solução negociada na hora de calcular o reajuste.
“Na maioria dos casos, tem havido uma negociação entre proprietários e inquilinos em que se tem chegado à adoção de índices de reajuste que estejam mais próximos da inflação oficial medida pelo governo”, diz Marcelo Borges, diretor de Condomínio e Locação da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), que representa empresas de administração de condomínio e imóveis.
O termômetro oficial da inflação no Brasil é medido pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que acumula alta 3,13% em 2020, e no acumulado dos 12 meses teve variação de 4,22%, valor quase seis vezes inferior ao IGP-M medido no mesmo período.
Conhecido popularmente como “inflação do aluguel”, justamente por servir de base para os reajustes nesse mercado, o IGP-M foi criado na década de 40 para medir os preços de forma geral, e seu objetivo é ser mesmo mais abrangente do que outros índices de preços, normalmente atrelados a segmentos como Índice de Preços do Atacado Mercado (IPA-M), Índice de Preços do Consumidor Mercado (IPC-M) e Índice Nacional de Custo da Construção Mercado (INCCM). Apesar de quase todo contrato de locação prever reajuste com base no IGP-M, ele não precisa ser necessariamente adotado entre as partes.
“Se a gente for analisar friamente, o locador tem direito de aplicar o reajuste pelo IGP-M previsto em contrato. Nesse caso, o locatário não teria direito de contestação na utilização de um índice com o qual ele concordou. Porém, a gente vive uma realidade econômica muito especial, afetada por uma pandemia sem precedentes, e é desejável que haja ponderação nesse momento”, afirma Borges, diretor da Abadi.
Segundo ele, a associação que representa administradoras de imóveis tem orientado justamente na direção de uma análise caso a caso. “O dever de casa é analisar cada contrato, saber o histórico de cada contrato, o que já foi feito em negociação e, a partir dessa análise, aplicar o índice que esteja mais adequado para colocar o aluguel na média de preço do mercado”.
Para a advogada Isabela Nascimento, especialista em direito contratual, é possível até mesmo discutir judicialmente o valor de um reajuste quando há uma situação de alta muito inesperada. “O princípio do reajuste na locação de um imóvel é atualizar a correção monetária durante a vigência daquele contrato, de forma previsível. A partir do momento em que esse índice deixa de apenas reajustar o valor da moeda e passa a aumentar em quase um quarto o valor do aluguel, como temos visto, ocorre o que no Código Civil chamamos de onerosidade excessiva”, diz.
O Artigo 478 do Código Civil prevê justamente que, “nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução [dissolução] do contrato”. Já o Artigo 480 possibilita que a parte que paga por um serviço possa pleitear a redução da prestação devida ou até mesmo alterar o modo de executar essa prestação, como forma de evitar a chamada onerosidade excessiva. Apesar da alternativa na Justiça, Nascimento reforça que o melhor caminho para inquilinos e proprietários de imóveis, diante do atual contexto, é buscar prioritariamente uma conciliação administrativa.
Do ponto de vista do mercado, também não tem havido um espaço para reajuste de aluguéis no atual patamar medido pelo IGP-M. “Quando você tem um descasamento tão grande do índice de reajuste com a situação da renda das famílias, é difícil que os proprietários, mesmo tendo previsão contratual, encontrem alguma facilidade para fazer valer essa regra. Se o mercado estivesse muito aquecido, com alta do aluguéis, o proprietário teria mais força numa negociação de reajuste, mas não é o que ocorre”, argumenta Pedro Seixas, professor da FGV e especialista em mercado imobiliário.
A taxa de vacância dos imóveis, usada para medir a temperatura do mercado, tem apresentado números muito acima das médias históricas. No Rio de Janeiro, segundo a Abadi, o índice de imóveis comerciais não alugados está variando entre 25% e 28%, quando normalmente fica na faixa de 15%. Entre os imóveis residenciais, essa taxa de desocupação está em 17%, mais que o dobro da média de 8% de períodos anteriores.
Edição: Graça Adjuto
Fonte: Pedro Rafael Vilela – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Crédito de imagem: © Marcelo Camargo/Agência Brasil