O ano iniciou repleto de expectativas pela forma como 2019 terminou, e mesmo impactado pela pandemia de covid-19, foram muitos os avanços ao longo desses 12 meses. Esse foi o 2020 do futebol feminino brasileiro, marcado pelo aumento de relevância da modalidade na Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e pelo domínio de um Corinthians novamente histórico.
A referência ao Timão se explica pela forma como a equipe encerrou a temporada do ano passado, levando quase 29 mil pessoas à Arena Corinthians – hoje Neo Química Arena – na final do Campeonato Paulista, contra o São Paulo. O maior público da história da modalidade em jogos entre clubes no Brasil. Neste 2020, o Alvinegro manteve a base que estava invicta há 45 partidas e voltou a brilhar: conquistou os títulos estadual e da Libertadores. Os reforços de atletas de seleção brasileira, como a lateral Poliana e a meia Andressinha contribuíram para o Timão seguir em alta. Além disso, profissionalizou o vínculo das jogadoras e praticamente dobrou o investimento na equipe feminina.
O Corinthians não foi o único. Na esteira do sucesso alvinegro em 2019, outras camisas pesadas olharam com mais carinho para a modalidade neste ano. Recém-promovidos à Série A1 (primeira divisão) do Brasileiro Feminino, São Paulo e Palmeiras investiram nos respectivos elencos, também com reforços da seleção. Se, por um lado, perdeu a atacante Cristiane para o Santos, o Tricolor contratou Duda, atacante que havia acabado de ser convocada pela técnica Pia Sundhage e que atuava na Noruega. O Verdão trouxe a atacante Bia Zaneratto em um empréstimo de seis meses do Wuhan Xinjiyuan (China). Ao longo do ano, o Palmeiras acertou com a meia Camilinha, ex-Orlando Pride (Estados Unidos), time atual da meia-atacante Marta, da seleção.
O Brasileirão começou animado, a ponto de o Santos, em fevereiro, ter levado mais torcedores (7,7 mil) à Vila Belmiro no duelo contra o Cruzeiro, pela terceira rodada, que a média das partidas da equipe masculina no ano, até aquele momento. Naquela mesma rodada, o forte Corinthians viu a invencibilidade histórica – que havia passado para 48 jogos – cair para o reforçado São Paulo.
Covid-19
Em março veio, então, a pandemia do novo coronavírus (covid-19), escancarando que, apesar dos avanços, a modalidade no Brasil ainda tem muito o que caminhar rumo ao profissionalismo. Em meio à paralisação dos torneios, a CBF anunciou um repasse de R$ 3,72 milhões aos clubes com times nas duas divisões do futebol feminino nacional, para que eles pudessem “cumprir seus compromissos com jogadores e jogadoras”. A entidade, porém, foi procurada por atletas das Séries A1 e – principalmente – A2 (segunda divisão). que reclamaram de algumas equipes não usarem os recursos para os devidos fins. Parte dos impasses foi resolvido. Outra, não.
Foram cinco meses e meio sem a bola rolar, até que Santos e Audax dessem o pontapé de reinício da Série A1, em 26 de agosto. Se os principais clubes não tiveram sobressaltos na paralisação, os de menor investimento sofreram muito. O caso mais delicado foi o do Iranduba-AM, um dos times mais tradicionais do futebol feminino brasileiro, que viu a pandemia impulsionar uma crise financeira: o time amazonense não recebeu o repasse financeiro prometido, segundo a agremiação, pela empresa britânica VeganNation. Sem dinheiro, o Hulk, como o time também é conhecido, ficou praticamente sem elenco e só conseguiu ir à campo porque o maior rival, o 3B da Amazônia (da Série A2), cedeu as jogadoras.
Consolidação
Em campo, o Corinthians reforçou o status de favorito no Brasileiro com vitórias em sequência, encerrando a primeira fase com 14 triunfos em 15 jogos, seguido na tabela pelos também classificados Santos, Internacional, Ferroviária, Palmeiras, Avaí/Kindermann, São Paulo e Grêmio, que obteve a vaga na última rodada, superando a apertada concorrência de Flamengo e Cruzeiro. Na parte de baixo, não deu para o Iranduba, rebaixado pela primeira vez à Série A2. Audax, Vitória e Ponte Preta também caíram.
No mata-mata, o Timão eliminou Grêmio e o rival Verdão, chegando à quarta final seguida, desta vez contra o Avaí/Kindermann. Após um agitado empate sem gols na Ressacada, em Florianópolis (apesar de o Kindermann ser de Caçador, município catarinense), as corintianas venceram em casa por 4 a 2, em uma decisão que coroou a superação da atacante Gabi Nunes – recuperada após três lesões graves no joelho – e teve como destaque a meia Gabi Zanotti, protagonista do jogo do título com dois gols.
Dias depois, as alvinegras arrebataram o Campeonato Paulista pelo segundo ano consecutivo. Para não deixarem dúvidas, ganharam as duas partidas da final contra a Ferroviária-SP, com direito à goleada por 5 a 0 no jogo de volta, fora de casa, em Araraquara (SP). Na temporada, foram 98 gols em 32 partidas, média superior a três gols a cada 90 minutos. O detalhe é que as duas artilheiras do time – Gabi Nunes e a também atacante Victória Albuquerque, ambas com 12 gols – não foram titulares durante todo o ano, o que mostra a força do elenco comandado pelo técnico Arthur Elias.
Outros destaques
Não foi só o Corinthians que se consolidou na modalidade em 2020. Apesar da cair nas quartas de final do Brasileiro, o Internacional brigou até as rodadas finais da primeira fase pela vice-liderança, sagrou-se bicampeão gaúcho em cima do Grêmio e, mais uma vez, mostrou força na base. Campeãs nacionais sub-18 no ano passado, as Gurias Coloradas levantaram, desta vez, o Brasileiro sub-16.
Na Série A2, Bahia (que encerrou a parceria com a Lusaca e passou a gerir o futebol feminino por conta própria) e Botafogo apagaram as frustrações de 2019 e obtiveram o acesso à elite, junto de Real Brasília-DF e Napoli-SC. Já o Atlético-MG, eliminado na fase de grupos da segunda divisão, terminou a temporada em alta ao conquistar o título do Campeonato Mineiro em cima do Cruzeiro (que está na Série A1) na decisão.
Crescimento
O ano de 2020 foi também aquele em que as mulheres assumiram o comando da modalidade em nível nacional. Em setembro, a CBF anunciou Duda Luizelli, ex-diretora do Inter, como coordenadora de seleções femininas, em substituição a Marco Aurélio Cunha. Para a recém-criada coordenação de competições nacionais femininas, a escolhida foi a ex-zagueira e capitã brasileira Aline Pellegrino, que estava na Federação Paulista de Futebol (FPF).
A entidade também revelou em setembro que as seleções masculinas e femininas passaram a receber valores iguais de premiações e diárias desde março deste ano. Segundo o presidente Rogério Caboclo, a medida começou a valer já na primeira convocação de Pia em 2020 para o Torneio Internacional da França. “O que eles recebem por convocação, elas também receberão. O que elas ganharem de premiação por conquistas ou por etapas da Olimpíada no ano que vem, será o mesmo para os homens. Não há mais diferença de gênero em relação à remuneração [na CBF]”, declarou o dirigente na ocasião.
Os duelos na França foram os primeiros da seleção feminina em uma temporada reduzida pela pandemia. Na competição amistosa, o Brasil conheceu a primeira derrota sob o comando de Pia (1 a 0 para as anfitriãs), empatando os outros dois jogos (2 a 2 com o Canadá e 0 a 0 com a Holanda). A técnica só reencontrou as brasileiras seis meses depois, em um período de treinos na Granja Comary, em Teresópolis (RJ), reunindo jogadoras que atuam no país. Em outubro, foi a vez de reunir as atletas que jogam no exterior. na cidade de Portimão (Portugal).
A bola rolou mais duas vezes, em amistosos sem presença de público, nos dias 27 de novembro e 1º de dezembro, contra o Equador, em São Paulo. Se o ano da seleção feminina começou com tropeços, ele terminou com goleadas. Na Neo Química Arena, vitória verde e amarela por 6 a 0. No Morumbi, o massacre foi maior: 8 a 0. Apesar da fragilidade do adversário, destaque para as caras novas que Pia Sundhage pôde observar nas partidas, como as meias Valéria, Julia Bianchi e Duda e as atacantes Nycole e Giovanna.
“Melhoramos muito [ao longo do ano]. Todo mundo sabe como é difícil mudar, mas as jogadoras brasileiras abraçaram as mudanças. Fizemos algumas coisas diferentes na defesa e no ataque. Temos garra e organização como palavras-chave. Se as mantivermos em mente, teremos as melhores jogadoras do mundo. Precisamos jogar como um time para vencer os jogos e temos nos saído bem até agora, mas temos muito a fazer. O primeiro é encontrar as 18 jogadoras que disputarão a Olimpíada de Tóquio [Japão, em 2021], o que também é muito empolgante”, disse Pia, na última entrevista coletiva que concedeu em 2020, após a convocação para um período de treinos em Viamão (RS), em janeiro do ano que vem.
Edição: Cláudia Soares Rodrigues
Fonte: Lincoln Chaves – Repórter da TV Brasil e Rádio Nacional – São Paulo
Crédito de imagem: © Agência Brasil