Passados dois anos do rompimento da barragem da Vale, Brumadinho (MG) experimenta uma situação econômica confortável. Na análise da prefeitura, três fatores contribuem para esse cenário: um acordo feito com a Vale para compensar a queda de arrecadação, os auxílios emergenciais pagos pela mineradora à população e a chegada de empresas para as ações de reparação. No entanto, todos esses incrementos na economia do município são temporários. Por esta razão, há uma preocupação com o futuro, pois dificilmente a Vale retomará o patamar de produção que tinha anteriormente na cidade.
“Há uma preocupação do município pelos próximos anos”, admite o prefeito Avimar Barcelos. Reeleito no ano passado, ele reivindica novos valores indenizatórios para que possa investir em um distrito industrial e reduzir a dependência da mineração. Para o prefeito, as ações da Vale com foco no município ainda estão aquém da dimensão da tragédia.
O acordo citado pelo município foi costurado no início de 2019 e permitiu a compensação de valores correspondentes à Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) por 18 meses. Ainda que cinco mineradoras pequenas tenham continuado a operar normalmente em Brumadinho, a paralisação das atividades da Vale levaria a uma queda significativa da arrecadação com o principal tributo decorrente da exploração do minério de ferro. O acordo assegurou que tal situação não ocorresse. A Vale concordou em pagar um total R$ 80 milhões, sendo R$ 20 milhões em março de 2019 e o restante dividido em 18 vezes. Os pagamentos foram concluídos em agosto de 2020.
A economia do município contou ainda com o incremento das doações e, sobretudo, do auxílio emergencial: todos os moradores da cidade receberam, pelo período de um ano após a tragédia, um repasse mensal da Vale no valor de um salário mínimo no caso dos adultos, a metade dessa quantia para adolescentes e um quarto para cada criança. Esse benefício contribuiu para o aumento do consumo e, consequentemente, para uma alta na arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Em janeiro de 2020, os critérios envolvendo o auxílio emergencial foram alterados , diminuindo a quantidade de beneficiados. Os valores também foram reduzidos em determinados casos.
Já as empresas que chegaram para atuar na reparação propiciaram um aumento no recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Elas também contribuíram para um segundo fenômeno observado pela prefeitura: um repentino aumento populacional. Ele vem sendo notado por meio de dados secundários. Chega a ser um paradoxo, considerando que a maioria dos 270 mortos na tragédia moravam na cidade e não integram mais a base de cálculo populacional.
“Esse crescimento foi registrado a partir dos cadastros das pessoas que passaram a utilizar a rede municipal de saúde pública. Tivemos um registro de pelo menos 5 mil pessoas. Isso se deve principalmente pela chegada de pessoas que vieram trabalhar em Brumadinho, trazidas pelas empresas que hoje atuam nas obras de reparação, coordenadas pela Vale”, diz o prefeito. Dados eleitorais também dão uma perspectiva dessa mudança demográfica. Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o eleitorado de Brumadinho subiu 8,9% de 2018 para 2020, índice bem superior à média nacional de 0,4%.
Mariana
A experiência de Brumadinho é bem diversa da que foi vivida por Mariana (MG), cidade onde uma tragédia similar ocorreu em novembro de 2015. Na ocasião, 19 pessoas morreram e comunidades ficaram destruídas no rompimento de uma barragem da Samarco, que tem a Vale como uma de suas duas controladoras. Durante três anos, o município lidou com a queda de arrecadação e com o aumento do desemprego, uma vez que as terceirizadas e os fornecedores que atendiam à mineradora deixaram a cidade. As obras mais intensas e com mais capacidade para gerar postos de trabalho na cidade, principalmente a reconstrução dos distritos destruídos, demoraram a sair do papel.
Mariana só voltou a ver indícios de uma melhora econômica há dois anos. Isso ocorreu depois que a Vale anunciou a interrupção das operações da barragem da Mina de Alegria, também localizada no município. Em reação, a prefeitura decretou estado de calamidade. Em setembro de 2019, após a instalação de uma mesa de negociação, a Vale concordou em assinar um acordo que permitiu compensar os prejuízos.
Para o Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB), a diferença entre as duas situações não é casual. A entidade avalia que a experiência de Mariana serviu como referência para uma maior organização dos atingidos e para uma cobrança mais forte por parte da sociedade, pressionando a Justiça e a Vale por respostas mais rápidas. “O rompimento em Brumadinho chamou a atenção da opinião pública toda pelo número de mortes, pelo caos e pela reincidência. As instituições de Justiça e os movimentos estavam mais preparados. A Vale foi rapidamente intimada a fazer os pagamentos emergenciais”, diz Joceli Andrioli, membro da coordenação do MAB.
Turismo
Mas nem todos os setores de Brumadinho usufruem do conforto econômico. O turismo ainda não se recuperou plenamente, sobretudo porque sofre também com as consequências da pandemia de covid-19. Brumadinho é um destino atraente por suas cachoeiras e atrações ecológicas, além de sediar o Instituto Inhotim, que reúne um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do Brasil. Apesar de não ter sido diretamente atingido pela onda de lama, o espaço ficou fechado por boa parte de 2019, enquanto a cidade buscava se recuperar dos primeiros impactos e, no ano passado, novamente suspendeu as atividades por um período de oito meses em decorrência da pandemia.
O Brumadinho Hostel, situado no centro da cidade, experimentava uma crescente movimentação de hóspedes quando aconteceu o rompimento da barragem. Responsável pelo negócio, Ana Carolina Costa Mendes conta que a queda foi acentuada devido ao estigma. “O centro fica bem distante do local da tragédia. Mas mesmo em Belo Horizonte, que é vizinha a Brumadinho, as pessoas achavam que a cidade ficou destruída. Imagina a percepção do resto do Brasil”, pontua. Hoje, com o turismo em baixa, os principais clientes do Brumadinho Hostel são trabalhadores a serviço das empresas terceirizadas que estão atuando nas ações de reparação. Mas essa intensa movimentação também traz um efeito colateral.
“Há uma forte especulação imobiliária na cidade porque essas empresas também alugam muitos imóveis pros seus empregados. Então quem tem comércio e paga aluguel, está sendo afetado. O imóvel onde eu montei o hostel é alugado e o preço subiu muito. Mesmo tendo esse fluxo de hóspedes, o retorno financeiro não é grande. Muitas hospedagens fecharam, possivelmente porque a situação agravou com a pandemia. Hoje eu trabalho em um restaurante para complementar a renda, mas estou insistindo no hostel acreditando que o cenário vai melhorar após a pandemia”, acrescenta Ana Carolina. Ela aposta que o Inhotim poderá ajudar a reaquecer o turismo, mas também defende que a cidade invista em melhor estrutura para o ecoturismo, tornando mais conhecidas e acessíveis as cachoeiras da região.
Alternativas
Os planos do município para diversificar sua economia estão na criação distrito industrial, capaz de atrair empresas para a cidades. Para tanto, a prefeitura cobra uma fatia dos recursos financeiros do acordo de indenização que está sendo negociado entre a Vale, o governo de Minas, a União e o Ministério Público.
Avimar Barcelos diz que Brumadinho foi excluído das discussões. “A tragédia foi aqui, as pessoas que morreram moravam aqui, as famílias desamparadas estão aqui e um acordo prevê indenização só para o estado? Vão construir estrada, presídio e investir os recursos em outros municípios, deixando Brumadinho de fora?”, questiona.
A prefeitura afirma que as obras em Brumadinho realizadas pela Vale se resumem à reforma de cemitérios, de quadras esportivas e do teatro municipal e à construção de quatro creches, uma unidade básica de saúde e de um centro de atendimento educacional para crianças com transtornos diversos. Além disso, há ações de recuperação ambiental e de tratamento de água na área afetada pela tragédia. “A Vale não contribui em nada para além dessas obras. Estamos tentando, independente do processo de indenização citado acima, um acordo para que ela invista R$ 2 bilhões”, acrescenta Avimar.
Em nota, a mineradora afirma que, entre as ações de reparação, busca contribuir para o fortalecimento da economia nos municípios impactados “A Vale entende como necessário criar oportunidades para a diversificação das realidades locais, ampliando a geração de emprego e renda para as populações atingidas. O foco deste trabalho é assegurar a sustentabilidade social, econômica e ambiental dos territórios afetados, através do apoio a iniciativas do poder público que visam ao desenvolvimento de vocações locais, como investimentos nas áreas de agricultura, turismo, sustentabilidade e meio ambiente”, diz o texto. Um exemplo citado é o programa de apoio aos agricultores de Brumadinho e Mário Campos.
Memorial
A comunidade de Córrego do Feijão, a mais próxima da barragem, vive uma realidade diferente do centro da cidade, com menos movimento e com muitos negócios encerrados. “Diversos moradores optaram por se mudar. Córrego do Feijão é hoje muito diferente do que era. As pessoas se reuniam no final da tarde, essa coisa pacata de interior. Não tem mais isso”, conta a engenheira civil Josiane Melo, que perdeu sua irmã e é atualmente presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão (Avabrum).
Em dezembro de 2019, a Vale apresentou uma proposta de redesenho urbano. Trata-se de um projeto de requalificação do local, intitulado território-parque, que prevê diversas ações de melhoria da infraestrutura, tais como pavimentação e urbanização de ruas e reformas de casas e estruturas. De acordo com a mineradora, os primeiros equipamentos públicos serão entregues ainda no primeiro semestre deste ano.
Paralelamente, está em andamento o projeto de construção de um memorial em homenagem às 272 vidas perdidas conforme os cálculos Avabrum. A entidade leva em conta que duas mulheres estavam grávidas, o que inclui entre as vítimas dois bebês que foram impedidos de nascer. Para a obra do memorial, houve um processo seletivo e os atingidos escolheram o projeto em março do ano passado: entre os quatro apresentados, saiu-se vencedor o do arquiteto Gustavo Penna. Serão 1,5 mil metros quadrados de área construída, integrado a um amplo jardim, em um terreno de 9 hectares próximo à comunidade de Córrego do Feijão. O início das obras depende da conclusão do licenciamento ambiental.
“É um memorial pensado e planejado pelas famílias. Não terá nenhuma logomarca da Vale, afinal ela é a causadora dessas perdas. Caberá à mineradora apenas entregar a obra e também defendemos que ela arque com a manutenção, o que está em discussão”, diz Josiane.
Um outro memorial, chamado Minas de Esperança, será o campanário do Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora do Rosário, no centro de Brumadinho. Ofertado pela Arquidiocese de Belo Horizonte, sua pedra fundamental foi lançada no início do ano passado. Trata-se de um monumento de 20 metros de altura e cinco sinos, que tocarão diariamente às 12h28, horário que a barragem se rompeu. Também serão inscritas em suas colunas os nomes de todas as vítimas.
Edição: Fábio Massalli
Fonte: Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
Crédito de imagem: © Divulgação Vale/Direitos Reservados