A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-SP) na noite desta terça-feira (16) reacendeu a discussão sobre os limites da regra constitucional que prevê a imunidade para parlamentares ao emitirem opiniões.
Silveira foi preso após divulgar em redes sociais vídeo em que defendeu o AI-5, um dos atos mais duros de repressão na ditadura militar, e a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). As duas manifestações são inconstitucionais.
O ministro que determinou a prisão, Alexandre de Moraes, afirmou que a Constituição não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático.
Na decisão sobre a prisão de Silveira, Moraes citou o inciso XLIV do artigo 5º da Constituição, que diz que “constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”.
Moraes também disse que as condutas de Silveira configuram crimes previstos na Lei de Segurança Nacional.
A Lei de Segurança Nacional, de 1983, diz que são crimes as atitudes que “lesam ou expõem a perigo de lesão o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado de Direito”.
Conflito de princípios
Se por um lado a Constituição afirma que a democracia é um valor, por outro o texto também diz que há a separação de poderes – e daí decorre a regra que prevê a imunidade parlamentar, afirma o professor Frederico de Almeida, da Unicamp.
No artigo 53, a Constituição diz que deputados e senadores “são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
Ou seja, há um conflito do princípio da democracia com o princípio da separação de poderes – mas, abaixo deste último, há também a regra explícita de que os parlamentares não podem ser presos.
“A regra da imunidade parlamentar é garantia ao Legislativo contra abusos do Executivo, que controla as forças de segurança. Historicamente, essa regra sempre foi vista como um instrumento que permite aos parlamentares falarem o que quiserem, além do que poderia um cidadão comum, porque essa é parte da função deles na tribuna”, afirma Almeida.
O STF, no entanto, tem afirmado que essa imunidade não é absoluta e que as opiniões devem estar relacionadas ao exercício da função.
O próprio Jair Bolsonaro foi condenado por ter afirmado em 2014, quando ainda era deputado federal, que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque ele a considera “muito feia” e ela não faz o “tipo” dele. Segundo a decisão, as ofensas não estavam relacionadas à atividade parlamentar e, por isso, não estavam protegidas pela imunidade.
O jurista Wálter Maierovitch, em entrevista afirmou que a imunidade tem balizas: “A liberdade de expressão não significa a possibilidade de cometimento de crimes. A própria Constituição estabelece a possibilidade de prisão em flagrante, o que limita essa opinião”.
Caso isolado
Para o jurista Miguel Reale Júnior, não há conflito de princípios constitucionais, mas, sim, um caso isolado de um deputado que fez declarações sem relação nenhuma com seu mandato.
“Existe conflito entre um deputado e o STF, mas não entre a Câmara e o STF. É preciso dar a dimensão adequada: é um deputado que fala impropérios seguidos e ameaça instituições. Não é porque ele está na Câmara que pode dizer o que bem entende e atacar as instituições.”
Perda de mandato
Ainda segundo a Constituição, o parlamentar perderá o mandato quando se comportar de forma “incompatível com o decoro parlamentar”. A decisão de aplicar a perda de mandato por quebra de decoro cabe à Câmara e ao Senado, por maioria de seus membros.
Os parlamentares também não podem ser presos, exceto por crime em flagrante e inafiançável. Se isso ocorrer, os autos devem ser enviados em 24 horas à respectiva Casa Legislativa, que decide sobre a prisão por maioria de votos.