Reviravolta : No Brasil até o passado e julgado é incerto

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A anulação das condenações criminais do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Operação Lava-Jato altera as articulações políticas para a eleição presidencial de 2022. Na prática, a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, restabelecendo a possibilidade de Lula ser candidato a presidente, provocou uma reviravolta no mundo político. Até aliados do presidente Jair Bolsonaro admitem que o novo entendimento fortalece o discurso do petista por uma candidatura e deve provocar polarização entre os dois.

 

“Acredito que o povo brasileiro não queira ter um candidato desses em 2022”, disse Bolsonaro, nesta segunda-feira, 8. O presidente afirmou, porém, que a decisão de Fachin foi “monocrática” e ainda deverá passar pelo plenário ou por uma das turmas da Corte. “A Bolsa foi lá para baixo e o dólar foi para cima. Ou seja, todos nós sofremos com uma decisão como essa aí. Agora, espero que a Turma do STF restabeleça o julgado”.

Atualmente aliado do Palácio do Planalto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), disse numa breve mensagem publicada nas redes sociais que Lula “pode até merecer” a absolvição, mas não o ex-juiz Sérgio Moro. Fachin não inocentou Lula, mas determinou que os processos sejam reiniciados na Justiça Federal de Brasília, declarando a 13ª Vara Federal de Curitiba, onde trabalhava Moro, incompetente para julgar os casos, por não ver conexão com desvios de dinheiro da Petrobrás.

“Minha maior dúvida é se a decisão monocrática foi para absolver Lula ou Moro. Lula pode até merecer. Moro, jamais!”, escreveu Lira, que já foi aliado de governos do PT.

O presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), outro aliado de Bolsonaro que também já apoiou governos do PT, passou a tratar Lula como candidato. “Ele é um candidato forte”, afirmou Pereira ao Estadão.

A presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), disse que o principal mérito da decisão de Fachin é reestabelecer os direitos políticos de Lula. “Foram retirados de forma errada”, disse Gleisi. “O processo não poderia ocorrer na Vara de Curitiba e impedido Lula de ser candidato à presidência da República”, afirmou ela. Gleisi lamentou, no entanto, que a decisão de Fachin tenha demorado cinco anos. “E esperamos que o processo de Moro possa ser levado adiante para ele ser considerado suspeito”, observou.

O líder do PT na Câmara, Bohn Gass (RS), por sua vez comemorou o entendimento de Fachin. “Começa a se fazer justiça. A farsa da Lava Jato acabou e justiça para o Lula está sendo feita”, disse o deputado. “Isso aqui muda com certeza o cenário para 2022. Está agora nas mãos do povo e de Lula sua volta à presidência”.

Sem partido, o apresentador de TV Luciano Huck – que avalia ser candidato à sucessão de Bolsonaro e conversa com partidos de centro – disse que “figurinha repetida não completa álbum”. Foi uma indireta à possibilidade de Lula se tornar um adversário eleitoral.

“No Brasil, o futuro é duvidoso e o passado é incerto. Na democracia, a Corte Suprema tem a última palavra na Justiça. É respeitar a decisão do STF e refletir com equilíbrio sobre o momento e o que vem pela frente. Mas uma coisa é fato: figurinha repetida não completa álbum”, escreveu Huck nas redes sociais.

Com Lula novamente elegível, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) vê maior necessidade ainda de uma composição capaz de se opor às duas principais forças políticas do País: o PT e o governo Bolsonaro.

“Do ponto de vista político, o que cabe agora àqueles que se opõem ao PT e ao Bolsonaro é que consigam compor um projeto de centro, centro-esquerda ou centro-direita viável, que tenha chance de fazer o debate e o enfrentamento às duas posições mais fortes da política nacional, que são o governo e o ex-presidente da República”, disse Maia. O ex-presidente da Câmara tem afirmado que os quatro principais nomes do grupo – João Doria (PSDB), Luciano Huck (sem partido), Luiz Henrique Mandetta (DEM) e Eduardo Leite (PSDB) – devem apresentar suas ideias para a apresentação de uma candidatura única, até o fim de 2021.

Já o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), passou a tratar Lula como concorrente no páreo. “Ele é um candidato forte”, afirmou Pereira ao Estadão. No Twitter, o presidente do DEM, ACM Neto, resumiu a reviravolta no mundo político. “Bolsa despenca. Dólar em alta. Refletem o clima de medo e incerteza que afeta o Brasil. Não desejamos uma nação ainda mais dividida. Mais do que nunca reforço meu compromisso com o equilíbrio e a minha luta contra qualquer forma de extremismo”, reagiu Neto.

Na outra ponta, o presidente do Cidadania, Roberto Freire, afirmou que a reabilitação dos direitos políticos de Lula deve causar “mais confusão”, embora já estivesse no radar. Ex-aliado do petista, mas há anos na oposição a Lula, Freire tenta construir uma frente ampla que reúna nomes de direita, de centro e de esquerda como alternativa a Bolsonaro, mas vê no PT uma força contrária à unidade.

“Cria uma confusão maior, mas já estávamos com essa hipótese tramitando na segunda instância. Não era nada ausente a possibilidade de ter a anulação (da condenação referente ao) sítio de Atibaia. Nada decidido ainda, nem em relação a Lula nem a Bolsonaro. A incerteza continua, se Bolsonaro chega até lá ou se vai ter impeachment. Tudo isso ainda está em suspenso, tal como estava. Já havia toda uma vinculação envolvendo problemas de candidatura em 2022”, afirmou Freire.

A discussão sobre a competência de julgamento, no diagnóstico do presidente do Cidadania, é um golpe mais ameno no processo do que se o Supremo julgasse a parcialidade de Moro, como queria a defesa de Lula. Para ele, a decisão de Fachin deixa uma brecha para que os atos dos processos sejam revalidados.

“A discussão é territorial, de jurisdição, e não de mérito. Seria mais contundente julgar a imparcialidade do Moro, do ponto de vista da Justiça, e anular todo o processo. Traria uma suspeição maior para todo o Supremo, porque a Lava Jato, essas decisões, foram validadas”, avaliou Freire, também ex-deputado e ex-ministro da Cultura. “Lamentavelmente, nós estamos vendo o Poder Judiciário brasileiro fazer o que a Justiça italiana fez na Operação Mãos Limpas: desfazer todo o trabalho de apuração da corrupção. Infelizmente, estamos vendo o Judiciário enterrando a Lava Jato.”

Envolvido na discussão da frente ampla, o governador do Maranhão, Flávio Dino, pré-candidato ao Palácio do Planalto pelo PC do B, considerou que a decisão foi justa e diz que fortalece a esquerda como alternativa a Bolsonaro.

“Acho que a Justiça foi feita. Esses casos jamais poderiam estar em Curitiba”, disse Dino, ex-juiz federal, ao Estadão. O Código de Processo Penal fixa as regras de competência, que não foram respeitadas no caso. “É um impacto muito grande. Acho que nosso campo político tem um grande reforço. Acho que esse conceito da frente ampla se fortalece.”

O presidente do PSB, Carlos Siqueira, afirmou que a sucessão de Bolsonaro continua em aberto. “Se a Justiça anulou os processos é porque certamente encontrou irregularidades. É muito importante o respeito à Constituição, a ampla defesa e o devido processo legal”, destacou Siqueira. “Do ponto de vista político, precisamos ter muita cautela. Por isso mesmo, para o PSB a questão da sucessão presidencial segue em aberto”.

O senador Fernando Collor (Pros-AL) preferiu a ironia para comentar a reviravolta política. “No Brasil, até o passado é incerto!”, escreveu ele no Twitter. A frase é atribuída ora ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan ora ao ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.

Por Conteúdo Estadão