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Dia da Poesia: magia do cordel atravessa gerações

© Davi Mello /Direitos reservados

Entre lendas, fantasias, notícias imaginadas, críticas, homenagens, vida cotidiana, vilões, heróis, tragédias, comédias, histórias de realismo fantástico… Verso a verso, cabem mil mundos nos pequenos folhetos de páginas simples e, ao mesmo tempo, profundas. Há quem conheça o cordel por seu formato em curtas brochuras impressas e que eram vendidas em cordões nas feiras e mercados. As estrofes da literatura de cordel são companheiras de Abraão Batista, de 85 anos de idade, desde 1949, na cidade sertaneja de Juazeiro do Norte (CE).

O autor é considerado um dos maiores cordelistas brasileiros. “Para fazer o cordel, é preciso disciplina, de métrica, de simetria. É como um poema quase prosa. É alguém que registra os acontecimentos. E o cordel é lido por gente de todas as classes sociais”, disse, em entrevista (por telefone) à Agência Brasil. Batista, que é professor aposentado e xilogravurista, autor de mais de 300 cordéis (com o primeiro livro O menino monstro, publicado em 1970), escreve, ainda com muito fôlego, sobre tudo o que vê e ouve. Assim será também neste domingo (21), Dia da Poesia, no sítio em que mora. Para se proteger da pandemia, não vai pra rua. Lápis e papel ficam em constante atividade.

Ouça trecho da entrevista com o escritor

“Minha mãe era uma grande leitora de cordel”, diz o artista


Cordelista Abraão Batista, de 85 anos, vive em Juazeiro do Norte e tem mais de 300 livretos escritos – Foto:  Davi Mello /Direitos reservados

“Agora que eu andei

pelas florestas do além

penetrei no inconsciente

íntimo que cada um tem,

sinto-me autorizado

para escrever o que vem”
(em Luta de um homem com um Lobisomem, 2013).

“Agora estou escrevendo Era Uma Vez o Cão Coronavírus, uma história sobre a luta contra essa pandemia”. O cordelista começou a poetizar há mais de sete décadas sob inspiração da mãe, a pernambucana Maria José, apreciadora da leitura de cordel. Passar o amor pelo texto rimado de geração para geração é uma característica da história dessa família cearense: o filho, Hamurábi (também no Cerá), e a neta de Abraão, Jarid Arraes (hoje em São Paulo), também fizeram da vida uma prosa poética cordelista. “Fico muito alegre (pela família) e também pelos cordelistas novos que estão começando. É preciso disciplina e prestar atenção nas regras”. O artista aprecia tratar de temas da história do Nordeste e do país.

Hamurábi, o filho de 50 anos de idade, prestou tanta atenção no que o pai ensinou que seguiu os passos e também já fez história. São cerca de 250 cordéis editados e publicados. “Desde criança, eu vi meu pai escrevendo de perto e aprendi com ele. Eu comecei a fazer poesia com inspiração modernista. Queria ser diferente da cultura popular que brotava dentro de casa. Em 1991, dei o braço a torcer e escrevi o meu primeiro cordel. Tinha 20 anos”. Passou a escrever sobre personagens históricos com a intenção de auxiliar professores em sala de aula. Depois de uma crítica da filha (a escritora Zarid Arraes), passou a escrever também sobre mulheres.

Confira trecho da entrevista com o escritor

“Para ser cordel, tem que ser popular”, diz autor

Aliás, a filha, hoje com 30 anos de idade e que tem carreira consolidada e premiada como escritora em São Paulo (SP), da terceira geração dessa família de cordelistas, foi responsável por publicar um livro que tem uma série de 15 cordéis com o título de Heroínas Negras Brasileiras. A filha enche a família de orgulho.

Ela foi a vencedora do Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte, da Biblioteca Nacional e finalista do Jabuti com o livro de contos Redemoinho em Dia Quente, sobre mulheres que não se encaixam em padrões.

O caminho do sucesso da filha veio da simplicidade dos versos do cordel. “É uma literatura popular feita por pessoas simples usando um material acessível para que todos possam ter facilidade de ler. Antes, o cordel era um prosa. No Brasil, assumiu essa forma de versos. Não deixa de ser poesia porque é de versos livres. Ele só deixa de ser cordel se deixar de ser acessível”, afirma Hamurábi Batista.

O autor faz cordel por encomenda também. Abraão e Hamurábi têm máquina de impressão e encadernação em casa, o que os torna independentes de gráfica. Mas o faturamento caiu durante a pandemia e, por isso, o filho pretende trabalhar em outras áreas enquanto a crise sanitária reduz a renda.

Influências

Um fã declarado da família cearense é o cordelista brasiliense Davi Mello, de 31 anos, que se envolve com a arte desde 2013, desde que ouviu em um evento o cordel que contava a luta do acarajé contra o sanduíche americano. Influenciado pela obra de Ariano Suassuna e por artistas populares, o rapaz se aprofundou. “Conheci o Abraão Batista em 2017 na Feira do Livro, quando fiquei encantado de ver aquele banca recheada de cordel. Eu disse a ele que estava tomando coragem e ele me incentivou”.


O brasiliense Davi Mello, de 31 anos, criou histórias durante a pandemia. Crédito: Divulgação /Direitos reservados

No ano seguinte, foi até Juazeiro do Norte quando produziu o primeiro cordel impresso. No mesmo ano, lançou o cordel Profecia Instrumental (assista abaixo), que trata sobre música popular e cada instrumento. Ficou à vontade e criou a origem do pife por uma sereia (A Sereia Pifeira). É sobre uma origem encantada do instrumento. Ficou quatro anos pensando nessa história. Na semana passada, criou, em áudio, a Peleja de Lampião Contra o Coronavírus. “Na pandemia criei bastante. Transformou-se numa forma de me expressar. Meus cordéis não costumam ser engraçados. Trago algo mais místico”.  Os trabalhos costumam ter 32 estrofes com sete versos em cada uma delas.

Confira abaixo o cordel Profecia Instrumental, narrado pelo artista

Outro brasiliense cordelista (e repentista) João Santana (leia cordéis do autor), de 41 anos, e que desde 2001, atua com esses tipos de artes. “O processo criativo entre o cordel (no papel) e o repente (falado) é diferente. O conceito básico da rima e da métrica é comum. No improviso do repente, cada estrofe é completa. Eu gosto de cantar assuntos como paz, amor, paixões alegria. Eu gostava de compor poesias desde muito jovem”. O trabalho que ele tem mais orgulho é um cordel sobre a origem do repente. Uniu as duas grandes paixões.

Bem imaterial

Esses versos que circulam de banca em banca, de mão em mão, por todo o país têm reconhecimento como bem imaterial da cultura brasileira, conforme divulga o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Um exemplo é que, desde 2018, a literatura de cordel é inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão. O órgão ainda aponta a necessidade de salvaguarda desse tipo de cultura quando aponta a necessidade de que deve prestar apoio à realização de eventos organizados por cordelistas, à circulação dos produtos e também para inclusão da atividade em escolas públicas. (leia registro do Iphan com histórias de artistas brasileiros) Métrica, rima e oração, os três elementos do cordel, podem formar uma lição de casa inspiradora para futuras gerações.

Confira também no Acervo da EBC mais sobre o assunto

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TV BrasilOlá Brasil apresenta cordelista Davi Mello

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Conheça Leandro Gomes de Barros, referência da literatura de cordel 
Na carreira, o poeta escreveu aproximadamente 240 obras de cordel e é conhecido como o maior poeta popular do Brasil de todos os tempos.

Tarde Nacional

Artistas de cordel reinventam-se durante a pandemia

Um encontro de mestres do cordel está marcado para todos os sábados, de março a abril deste ano, sempre às 16h, no canal do YouTube Amo Cordel. Criado em 2020 pela Associação de Amigos do RJ, a iniciativa tem o objetivo de difundir, salvaguardar e promover a literatura de cordel.

Edição: Alessandra Esteves

Fonte: Luiz Cláudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Crédito de imagem: © Davi Mello /Direitos reservados

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