Entenda efeitos do julgamento no STF que declarou Moro parcial em caso de Lula

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SÃO PAULO, SP, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Em um dos julgamentos mais esperados dos últimos anos no STF (Supremo Tribunal Federal), a Segunda Turma da corte decidiu nesta terça-feira (23), por um placar de 3 a 2, que o ex-juiz Sergio Moro foi parcial na ação em que o ex-presidente Lula (PT) foi condenado pelo suposto recebimento de um tríplex como forma de propina.

 Ao final, votaram para declarar Moro suspeito os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia -que mudou o voto que havia proferido em dezembro de 2018, quando teve início o julgamento. Os ministros Edson Fachin e Kassio Nunes Marques votaram contra a declaração de suspeição de Moro.

A Segunda Turma, porém, restringiu-se à análise da atuação de Moro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Não foi discutida a situação do processo em que Lula foi condenado referente ao sítio de Atibaia (SP).

Em dezembro de 2018, no início do julgamento sobre o tríplex, Fachin e Cármen votaram a favor de Moro. Na ocasião, Gilmar pediu mais tempo para estudar o caso e interrompeu a análise do tema.

Depois de Fachin anular as condenações de Lula no último dia 8, Gilmar retomou o julgamento da matéria da parcialidade com voto contra Moro. Lewandowski o acompanhou.

Ao anular as condenações do ex-presidente, Fachin considerou que a Vara de Curitiba não tinha competência para julgar o petista. Com isso, Lula retomou seus direitos políticos e poderá se candidatar a presidente em 2022. Fachin, no entanto, não anulou as eventuais provas coletadas contra o ex-presidente nos processos comandados por Moro.

Para anular os atos do ex-magistrado, a defesa de Lula conta a seu favor com o atual clima político de contestação aos métodos da Lava Jato no Paraná, amplificado com a divulgação nas últimas semanas de mais mensagens trocadas entre procuradores da força-tarefa.​

O que pedia a defesa de Lula?

A defesa do ex-presidente tentava anular as condenações impostas na Lava Jato do Paraná por meio de um pedido de habeas corpus no STF no qual argumentava que o então juiz Sergio Moro não tinha a imparcialidade necessária para julgá-lo.

O agora ex-juiz foi o responsável por uma das sentenças, a do tríplex de Guarujá (SP), em 2017, e participou da tramitação de outras duas ações penais: a do sítio de Atibaia (SP), sentenciada pela colega Gabriela Hardt, e o processo que trata da compra de um terreno pela Odebrecht para o Instituto Lula, ainda em tramitação na primeira instância.

Moro deixou a magistratura em 2018 para ser ministro da Justiça do presidente Jair Bolsonaro.

Quais são os principais argumentos de Lula?

O pedido de habeas corpus foi apresentado pela defesa de Lula em 2018 logo depois de o então juiz Moro anunciar que pediria exoneração do Judiciário para assumir o cargo no governo do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro.

A adesão do magistrado à gestão de um adversário político do petista era na ocasião o principal motivo para os advogados argumentarem que não teria havido a imparcialidade necessária nos atos de Moro à frente dos processos de Lula na Lava Jato.

Naquela época, Lula estava detido na sede da Polícia Federal em Curitiba em razão de condenação imposta por Moro no caso do tríplex, também confirmada em segunda instância.

Na petição inicial, o advogado Cristiano Zanin Martins e sua equipe diziam que Moro agia na Lava Jato com motivação política e tratava o ex-presidente como inimigo.

O Código de Processo Penal afirma que o juiz não pode atuar em um caso se for amigo íntimo ou inimigo capital de uma das partes.

Em cerca de 70 páginas, os advogados elencam episódios polêmicos ocorridos na Lava Jato.

Entre eles, a ocasião em que Moro agiu para evitar que Lula fosse solto por ordem de um juiz plantonista de segunda instância, em 2018, e a decisão do então juiz de dar publicidade a trechos da delação do ex-ministro petista Antonio Palocci quando faltava menos de uma semana para o primeiro turno da eleição presidencial.

Os advogados também mencionam na petição original a ordem de Moro para a condução coercitiva de Lula, em 2016, a interceptação telefônica de advogados e a decisão de tornar públicas conversas do petista com a então presidente Dilma Rousseff (PT).

“O juiz, em vez de dissipar fundadas suspeitas, colabora com a consolidação da fama que ostenta, retroalimentando uma percepção razoável da sociedade de que ele se comporta como inimigo/opositor do ex-presidente”, escreveram os advogados na ocasião.

E as conversas dos procuradores da Lava Jato no Telegram?

Os diálogos obtidos pelo site The Intercept Brasil e publicados também por outros veículos de imprensa vieram a público em 2019, depois que o pedido de habeas corpus já tinha sido apresentado.

Logo após a divulgação das mensagens, a defesa anexou as reportagens que tratavam do assunto para reforçar seus argumentos de que o ex-juiz não agiu com equidistância na Lava Jato.

Paralelamente, em outro procedimento em análise no Supremo, sobre uma ação penal ainda em tramitação no Paraná, conseguiu ordem do ministro Ricardo Lewandowski para ter acesso ao conteúdo hackeado de celulares de autoridades na operação.

A determinação foi efetivamente cumprida em janeiro e recebeu o aval de outros ministros da corte em sessão da Segunda Turma do tribunal no início deste mês.

A defesa do ex-presidente, porém, diz que não precisou juntar mais elementos nesse pedido de habeas corpus para provar a parcialidade do ex-magistrado.

O que as mensagens da Lava Jato revelaram sobre a atuação de Moro?​

As conversas no Telegram indicam que houve colaboração dele com a força-tarefa, o que comprometeria a chamada “paridade de armas” entre a acusação e a defesa.

Em relação especificamente a Lula, há trechos que mostram que Moro sugeriu uma pista para a investigação antes da abertura dos processos e combinou a estratégia de comunicação para rebater críticas dos advogados após o primeiro depoimento do ex-presidente como réu, em 2017. Também há diálogo de 2016 em que Deltan antecipa em linhas gerais o teor da denúncia contra Lula que ainda estava sendo elaborada e que só seria apresentada meses depois.

Qual é a posição do ex-ministro Sergio Moro a respeito?

Moro não é parte no julgamento do habeas corpus. Ou seja: a Justiça julgou se os atos dele demonstraram imparcialidade, mas não caberia a ele apresentar defesa nessa situação.

Quem se manifesta eventualmente contrapondo os argumentos da defesa de Lula é o Ministério Público, representado nesse caso pela Procuradoria-Geral da República -por se tratar de uma tramitação no Supremo.

O ex-juiz e ex-ministro da Justiça sempre negou que tenha agido sem a devida imparcialidade. Disse que pediria afastamento se tivesse havido qualquer comportamento impróprio e que suas conversas sempre foram legais. Ele tem afirmado também que as ocasiões em que negou pedidos do Ministério Público mostram que não houve conluio.

“Eu não tenho mais essas mensagens, que eu troquei no passado e trocava com muitas pessoas, mas nenhuma delas revela espécie de fraude processual”, disse ele ao jornal Folha de S.Paulo, em 2019.

Sobre a inclusão da delação de Palocci nas vésperas da eleição, afirmou no ano passado que juntou aos autos daquele caso elementos que eram relevantes e deu ciência às defesas.

Disse que a sentença expedida contra Lula foi em 2017, muito antes de qualquer campanha eleitoral, e que ela foi confirmada em mais duas instâncias.

O que acontece com Moro com o Supremo declarando sua parcialidade diante de Lula?

Por ora, não há mais consequências além da anulação dos processos. Para outros tipos de punição ao ex-juiz, seria preciso abrir novos procedimentos, mas Moro já não atua mais como magistrado desde 2018.

Além disso, em relação às mensagens, há ainda um caminho bastante incerto até que elas sejam usadas como prova de acusação contra as autoridades envolvidas, já que foram obtidas por meio de um crime cibernético.​

O que diz o Ministério Público?

Nos autos do pedido de habeas corpus, a Procuradoria-Geral afirmou que a argumentação de perseguição política se apoia em ilações frágeis e que o ex-presidente teve asseguradas todas as suas garantias constitucionais nos processos.

Menciona que as decisões judiciais foram respaldadas por outras instâncias da Justiça e que a pena imposta ao ex-presidente foi até inferior à média das demais condenações da operação.

Quanto às reportagens feitas com base nas conversas dos procuradores, o Ministério Público disse, em 2019, que a falta de verificação da autenticidade das mensagens impediria o seu uso nesse caso.​