Pesquisadores do campus Nova Iguaçu da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) estão desenvolvendo um projeto multidisciplinar com crianças portadoras da síndrome congênita do zika vírus (SCZV), moradoras na Baixada Fluminense e no Sul do estado, sobre a importância da escola para a melhoria de sua qualidade de vida. Essas crianças chegaram à escola em 2019 e 2020, seis anos após a epidemia de zika vírus atingir o Brasil.
Em entrevista hoje (9) à Agência Brasil, a professora Márcia Denise Pletsch, que coordena o projeto, informou que o trabalho teve início em 2018, na Alemanha, onde ela fazia pós-doutorado, e que começou a pesquisa de campo e mapeamento quando retornou ao Brasil.
O projeto está organizado em três eixos. Na parte de crianças e família, há resultados que já foram inclusive publicados em português e inglês na revista Práxis Educativa. Também existe um piloto sobre o eixo de formação de professores, em que uma das questões centrais é a falta de educação continuada de educadores infantis para receber as crianças. O resultado foi publicado em periódico da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). No segundo eixo, os próximos passos serão o oferecimento de curso de especialização e a produção de indicadores que fomentem a elaboração de políticas locais.
Terceiro eixo
O terceiro eixo, já em andamento, consiste na realização de um trabalho com todas as secretarias de Educação, Saúde e Assistência Social dos dez municípios participantes – oito da Baixada e dois do Sul Fluminense, onde é maior maior incidência de crianças com SCZV.
Márcia Pletsch disse que, no caso das famílias, os resultados apontam o benefício da escola no desenvolvimento das crianças, embora elas tenham passado pouco tempo nesses estabelecimentos por causa da pandemia de covid-19. A escola foi positiva na educação das crianças. “As mães se sentiram abraçadas pela escola, acolhidas, o que nem sempre, no relato delas, acontece em outros instrumentos públicos, como a saúde e assistência.”
Um dado importante é que as mães dessas crianças são mulheres que educam sozinhas os filhos. “Todas tiveram que largar o emprego; têm outros filhos; 90% foram abandonadas pelos companheiros, ficaram sozinhas e dependem do Estado para sobreviver. O benefício é muito baixo”, disse a professora. Algumas crianças necessitam de alimentação e leite especiais, e muitas mães precisaram recorrer à Justiça para conseguir tratamentos intersetoriais para elas, principalmente na área da saúde.
Intersetorialidade
Por isso, Márcia disse que é fundamental as secretarias trabalharem em conjunto. “Há falta de diálogo entre os setores dentro do próprio município. Não há uma proposta articulada para garantir o atendimento integral dessas crianças”. Os pesquisadores estão produzindo um conjunto de dados e indicadores que será devolvido aos governos municipais na forma de um programa integral de atendimento e acompanhamento das crianças. Está sendo desenvolvido também um aplicativo, para que esses setores dialoguem entre si .
“Se não fizermos isso agora, quando as crianças são pequenas, vai ficar difícil, porque tem a ver com a neuroplasticidade”, advertiu a professora. Por neuroplasticidade, entende-se a capacidade do sistema nervoso de mudar, adaptar-se e moldar-se estrutural e funcionalmente ao longo do desenvolvimento neuronal e quando sujeito a novas experiências.
No momento, o foco da pesquisa com as crianças e as famílias é trabalhar para garantir aos menores a possibilidade de se comunicar, organizar seu pensamento e a linguagem e, a partir daí, ter melhor qualidade de vida, porque a maioria não é oralizada, isto é, não fala. “As sequelas foram tão severas que elas não falam.”
De acordo com os pesquisadores, a subnotificação é um dos problemas encontrados. “Isso é muito sério”, afirmou Márcia. A professora disse que o problema ocorreu principalmente no Rio de Janeiro porque o estado colocou no cadastro apenas as crianças que nasceram de mães que tiveram o zika vírus com microcefalia.
Ela citou pesquisas publicadas no Brasil e no exterior segundo as quais mesmo as crianças que nasceram com microcefalia, cujas mães tiveram o zika vírus, apresentam atrasos no desenvolvimento, deficiência intelectual ou autismo. Essas crianças não foram mapeadas. “Já temos cerca de 300 crianças com deficiência múltipla em decorrência da SCZV, sem contar as subnotificações.”
Covid-19
Os pesquisadores fazem o levantamento de dados na escola, trabalho que foi interrompido pela pandemia de covid-19. As unidades da rede municipal de ensino repassam os dados das crianças às equipes coordenadas por Márcia Pletsch, e estas vão de casa em casa fazendo estudo junto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). São tarefas que estão paradas e só serão retomadas com a volta às aulas presenciais, porque dependem da frequência na escola.
Segundo Márcia, os resultados são muito positivos na parte de educação inclusiva. “Estamos inclusive trabalhando com a hipótese de que a criança que está matriculada, convivendo com a diferença, em turmas chamadas inclusivas, tem melhores condições de saúde, porque acaba interagindo, ficando mais feliz, brincando, e isso acaba beneficiando também a sua condição de saúde.”
Uma equipe da Fiocruz e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC Rio) é parceira nesse trabalho, mas a confirmação de tal hipótese depende também do retorno às aulas e requer acompanhamento de pelo menos um ano. “O relato das mães nos confirma, mas não podemos trabalhar só com relatos. Tem que ter evidências da sala de aula, com observações que nós vamos fazer”, ressaltou Márcia
A pesquisa é desenvolvida em parceria com a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca e o Instituto Fernandes Figueira, ambos vinculados à Fiocruz; com a PUC Rio; a Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Universidade do Estado de Santa Catarina, além do Fórum Permanente de Educação Especial na Perspectiva Inclusiva da Baixada e Sul Fluminense. São quase 60 profissionais envolvidos no acompanhamento e análise dos processos de escolarização das crianças com SCZV em turmas de educação infantil da rede pública.
Edição: Nádia Franco
Fonte: Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
Crédito de imagem: © Michelle Carneiro/UFRRJ