Por GE / João Felipe Bangu — Rio de Janeiro
Hugo Souza passou de quarto goleiro para o coração da torcida do Flamengo em pouquíssimo tempo, e não foi por acaso. Aos 22 anos, ele tem no currículo profissional 30 partidas, com 17 vitórias, apenas seis derrotas e nove jogos sem sofrer gols.
Números que ajudaram o Rubro-Negro a se tornar campeão brasileiro em 2020 e fizeram o jovem figurar na pré-lista do técnico Tite, da seleção brasileira, de convocados para os jogos das Eliminatórias da Copa do Mundo de 2022.
Hugo Souza em ação pelo Flamengo no Brasileirão — Foto: André Durão
Há quase 12 anos no Flamengo, Hugo teve sua grande chance quando 19 jogadores do elenco principal do clube foram infectados pela Covid-19, e um time cheio de garotos empatou com o Palmeiras por 1 a 1, no fim de setembro. O goleiro foi eleito o melhor em campo, passou a ter mais chances e ocupou a posição de titular na reta final da campanha do título brasileiro.
Ao jogar em um clube de massa, a trajetória de Hugo é um misto de elogios e críticas em altas proporções. A dificuldade no jogo com os pés ganhou evidência depois de alguns erros no fundamento, reconhecidos pelo goleiro.
– Eu me destacava na base com os pés, mas é tudo diferente no profissional, porque, quando eu errava na base, não tinha o mesmo peso do profissional. Eu me cobro bastante, porque tive erros nesses fundamentos e trabalho para não errar mais. Tenho um cara que trabalha comigo que é referência no jogo com os pés, que é o Diego Alves, então eu tento absorver o máximo possível. Se eu errei nisso, é que eu preciso melhorar, se eu errei, é porque eu preciso trabalhar – afirma.
Apesar de jovem, Hugo mostra personalidade ao reconhecer as falhas e expor sua opinião. Quando erra, ele assume e, quando não considera um erro, dá sua visão. Na última rodada do Brasileirão, por exemplo, ele recebeu críticas pelo primeiro gol do São Paulo, em falta cobrada por Luciano. O goleiro acredita que não falhou no lance.
– Quem está de fora tem uma mentalidade sobre as faltas diferente, falam que, quando chutam no lado do goleiro, não pode entrar. A gente que é goleiro sabe que nem sempre é assim. (Contra o São Paulo) Foi uma falta centralizada, em faltas assim o goleiro tem que escolher um lado para montar a barreira e outro para ficar. Como a falta foi mais para a direita, eu montei a barreira no lado direito e fechei o esquerdo. Eu não escolhi canto, fiz um movimento que é meu, dando um passo para frente e, quando o Luciano bate, eu não consigo mais ver a bola, porque tinha muita gente. Quando vejo, ela já está muito próxima e não consigo alcançar, foi muito bem batida, na bochecha da rede – explica.
Conviver com as críticas faz parte da rotina, e Hugo sabe que, por mais que trabalhe, está suscetível a erros. Mas o goleiro também está ciente de que a boa performance vai além dos gramados, significa representatividade. Ainda na base, quando disputava a final do Carioca sub-20 contra o Vasco, foi chamado de “macaco” por um torcedor.
No último dia 27 de março, o goleiro Barbosa completaria 100 anos, e houve debates sobre o racismo que ele sofreu após a Copa de 1950. O preconceito que Barbosa sofreu ainda se faz presente. Em levantamento recente feito pelo jornalista Marcos Luca Valentim, do Ubuntu Esporte Clube, Hugo foi apenas o 13° goleiro negro campeão do Brasileirão na história. Criado em Doutor Laureano, no município de Duque de Caxias, ele destaca a importância de seus feitos em campo.
– Tenho certeza de que a importância foi gigantesca, porque eu sou do clube que representa o gueto, a favela, a minoria e eu também faço parte disso, criado no mesmo ambiente. O clube com o peso que o Flamengo tem, ser campeão brasileiro com um goleiro negro, isso é de muito valor para as pessoas, para que a galera de onde eu vim possa entender que não é porque eles são negros de classe baixa, que eles vão deixar de conquistar o que eles sonham – completa Hugo.
Hugo Souza, com Wagner Miranda, no Morumbi após o Flamengo conquistar o Campeonato Brasileiro 2020 — Foto: Alexandre Vidal/Flamengo
Sobre as sondagens do Ajax, o jogador prefere deixar possíveis negociações com o seu estafe. Com 22 anos, Hugo segue quebrando barreiras, sendo o mais jovem goleiro do Flamengo a conquistar um Brasileiro e vive a melhor definição de Ubuntu: com os seus feitos, com as suas conquistas, cada vez mais goleiros negros vão ter coragem de desafiar os estigmas do racismo.