Temendo bloqueios em suas contas, Samarco pede recuperação judicial

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© Antonio Cruz/ Agência Brasil

A Samarco, joint-venture da Vale e da BHP Billiton, deu entrada hoje (9) em uma solicitação de recuperação judicial no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Responsável pelo rompimento da barragem que causou a tragédia de Mariana (MG) em novembro de 2015, a mineradora teme que bloqueios em suas contas sejam determinados em processos movidos por credores. Segundo ela, a recuperação judicial não trará qualquer impacto para as medidas voltadas para a reparação dos danos que estão em curso há mais de cinco anos.

A decisão também foi divulgada pela Vale em um comunicado ao mercado. Conforme o anúncio, a medida é necessária para evitar que ações judiciais afetem a capacidade da Samarco de produzir, embarcar, receber por suas exportações e financiar o curso normal de suas atividades. A Vale afirma ainda que o pedido de recuperação judicial possibilitará continuar o cumprimento do Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC), acordo que foi firmado após a tragédia de Mariana entre as três mineradoras, o governo federal e os governo de Minas Gerais e do Espírito Santo.

A recuperação judicial é solicitada quando a empresa se encontra em dificuldades financeiras. Através dela, as ações judiciais em andamento ficam temporariamente suspensas e deve ser apresentada aos credores uma proposta que inclua o refinanciamento das dívidas e a reorganização administrativa, de forma a evitar que a situação se agrave e chegue a um cenário de falência.

Antes de aceitar a recuperação judicial, o juiz que receber o pedido deverá analisar se a empresa cumpre uma série de pré-requisitos estabelecidos pela legislação. Em caso positivo, ele nomeia um administrador judicial que participa da condução do processo. Segundo a Vale, este é o caminho que permitirá a reestruturação do passivo da Samarco.

As entidades que representam os atingidos ainda não se manifestaram sobre o assunto. A tragédia causou 19 mortes, destruiu comunidades inteiras e causou impactos em dezenas de municípios mineiros e capixabas situados na bacia do Rio Doce, por onde os rejeitos de mineração escoaram. Para administrar as ações de reparação previstas no TTAC, foi criada a Fundação Renova. Conforme o acordo, a entidade é responsável por gerir mais de 40 programas que são financiados com recursos das três mineradoras.

Segundo dados da Fundação Renova, desde 2015, cerca R$12,2 bilhões foram investidos em iniciativas de reparação e compensação dos danos. O orçamento para 2021 prevê um aporte de R$5,9 bilhões neste ano. Atingidos e instituições que acompanham o processo, no entanto, apontam gargalos.

Em balanço de novembro do passado, quando o episódio fez cinco anos, Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF) avaliaram que nenhuma das medidas havia sido integralmente concluída até o momento. As obras para reconstrução das comunidades destruídas permanecem em andamento e boa parte das indenizações ainda estão pendentes.

Em janeiro desse ano, a Fundação Renova anunciou avanços nos pagamentos de trabalhadores informais como revendedores de pescado, comerciantes, artesãos, agricultores, carroceiros, areeiros, lavadeiras e outros, muitos dos quais foram finalmente reconhecidos como atingidos. Esse processo, no entanto, também sofre alguns questionamentos judiciais do MPMG.

Dívida

No comunicado divulgado, a Vale discrimina alguns valores da atual dívida da Samarco. Uma parte significativa, no valor de US$4,7 bilhões, foi contraída antes da tragédia. Além disso, outros US$4,1 bilhões se referem a empréstimos de suas acionistas Vale e BHP Billiton contraídos entre agosto de 2016 e março de 2021. Este valor cobriu necessidades de caixa, obrigações com a Fundação Renova e investimentos voltados para sua retomada operacional. 

Uma negociação amigável com credores foi iniciada logo após a tragédia. No entanto, segundo a Vale, as tratativas que vinham evoluindo perderam ritmo no início de 2019 após mudanças nos regulamentos referentes às barragem de mineração no Brasil. Embora não seja feita menção no documento, as alterações normativas realizadas na época decorreram de uma nova tragédia: em janeiro de 2019, uma barragem da Vale se rompeu em Brumadinho (MG) deixando 270 mortos.

No comunicado ao mercado, são citados ainda dois tipos de processos judiciais que estão em curso e que poderiam levar ao bloqueio de contas bancárias. Um deles envolve ações de execução de notas promissórias no Brasil no valor de US$ 325 milhões. O outro são ações movidas por detentores de títulos de dívida nos Estados Unidos (bonds) com vencimento em 2022, 2023 e 2024.

Em nota, a Samarco informou que a maior parte do passivo envolve os credores estrangeiros (bondholders). A mineradora afirma que um grupo que representa parte deles, durante negociações requereu termos fora de mercado para avançar nas conversas. Sem consenso, alguns dos credores teriam iniciado uma sequência de ações judiciais. “O objetivo do pedido de recuperação judicial é permitir que a empresa mantenha as suas atividades de produção e preserve sua função social de geração de emprego, renda e tributos”, acrescenta o texto.

Retomada

A Vale acrescenta ainda que a decisão busca preservar a recente retomada operacional da mineradora. “A recuperação judicial traz um ambiente organizado de proteção ao patrimônio e aos ativos da Samarco e de reestruturação do elevado nível de endividamento na sua estrutura de capital”, diz o comunicado.

A Samarco reiniciou suas atividades em dezembro do ano passado, após realizar uma série de investimentos e obter a licenças ambientais necessárias para as operações. Desde a tragédia, todas as atividades da mineradora estavam suspensas. Durante o período de paralisação, foram negociados com os funcionários uma série de medidas, como férias coletivas, suspensão de contrato de trabalho, programas de demissão voluntária (PDVs).

Por ora, apenas um dos seus três concentradores entrou em operação, o que permite alcançar 26% da sua capacidade produtiva. O aumento da produção dependerá do aval dos órgãos ambientais responsáveis pela emissão das licenças e da aprovação dos acionistas. A previsão é de que o segundo concentrador comece a operar em seis anos, e o terceiro em nove anos.

Edição: Aline Leal

Fonte: Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Crédito de imagem: © Antonio Cruz/ Agência Brasil