Ser mãe é uma prova de amor. Ser mãe e jogadora de futebol, então, é uma responsabilidade e tanto, para lá de desafiadora. Na elite do futebol brasileiro, 11 mulheres compartilham a maternidade com a carreira de atleta. Para explicar a paixão que as move, a CBF convidou as mães que disputam o Brasileiro Feminino A-1 para, neste dia tão especial, expressar todo seu amor. Conheça agora a história de Kamilla, mãe da Kamilly e atacante do Botafogo.
Hoje atacante do Botafogo, Kamilla não conseguiria dar continuidade à carreira de atleta profissional se não fosse por sua mãe. Foi ela o alicerce no qual a jogadora se apegou para conseguir conciliar a maternidade com o futebol. Mesmo com o apoio da matriarca, a jornada esteve longe de ser fácil. Kamilla teve que lidar com a distância e com as queixas da filha Kamilly, que sentia sua falta no convívio diário. Por vezes, pensou em desistir e se dedicar exclusivamente à família. Com perseverança, seguiu no esporte e atualmente pode dar uma condição de vida melhor para a filha de 10 anos, sua melhor amiga.
“Quando engravidei, achei que tudo tinha acabado, mas Deus abriu uma porta. Foi depois que ganhei minha filha que tudo começou a acontecer na minha vida”
Carta de Kamilla, atacante do Botafogo, para a filha Kamilly, de 10 anos.
“Meu nome é Kamilla, fui mãe aos 16 anos de idade, engravidei quando tinha 15 anos. Confesso que foi muito difícil, não só por ser nova, mas porque estava descobrindo o mundo. Tinha recebido uma bolsa em um colégio militar, aos 14 anos, recebi a bolsa justamente por jogar futsal. Fui jogando. Tinha que continuar jogando, porque era por isso que estudava lá, era o que eu queria. Até então não sabia que estava grávida, depois que descobri, estávamos no meio de um campeonato, não podia parar, nem sair. Foi muito difícil, tive que falar com a minha mãe. Na verdade, ela meio que descobriu, porque não tem como enganar a mãe. Ela ficou o tempo inteiro do meu lado e sabia que eu tinha que continuar ali, porque na época dela, minha mãe jogava vôlei e nunca parou, mesmo comigo na barriga. E eu não fui diferente, apesar de muito difícil.
Ganhei a Kamilly com 16 anos e dei uma pausa no futebol, porque tinha que começar a trabalhar. Comecei a trabalhar no restaurante perto de casa. Os planos de jogar futebol já não estavam mais na minha mente, por mais que eu gostasse, já tinha outras responsabilidades. Em 2015, minha filha já tinha uns quatro anos, eu trabalhava e ainda jogava com as meninas uns ‘campeonatinhos’, mais por diversão mesmo. E segui assim, jogando nos finais de semana, trabalhando ao longo da semana, Kamilly ficava com minha mãe, às vezes levava ela para o campo. Mas quando estava grávida, joguei até uns 8 meses (de gestação), porque precisava estudar e jogar. E como eu não tinha barriga, ninguém percebia nada. Depois que ganhei ela, fui jogando mais por brincadeira, sem responsabilidade.
Mas foi quando chegou uma colega minha e falou: ‘Ei Kamilla, você tem coragem de sair dessa cidade e ir jogar em São Paulo? ’. Eu nem sabia que existia time em São Paulo, que existia Seleção Sub-15, Sub-17. Para mim existia só a Marta. E eu brincando na minha região, nunca imaginei que teria algo para além dali. Então a princípio aceitei a proposta dela, mas como estava trabalhando na época, fui conversar com a minha mãe. Como sempre, minha mãe me deu força e falou: ‘Se você quiser ir, a gente cuida da Kamily aqui, vai, tenta uma coisa nova. Você sempre amou futebol’. Ela sempre me deu força. Lá atrás, quando engravidei, achei que minha história com o futebol tinha acabado ali, mas Deus havia aberto uma porta.
Foi depois que ganhei minha filha que tudo começou a acontecer na minha vida.
Em São Paulo, confesso que foi muito difícil, porque tive que deixar minha filha com a minha mãe. No começo, ligava todos os dias para falar com ela, mas tinha dias que minha filha não queria falar comigo. Minha mãe falava para tentar não ligar todo dia, porque ela chorava. Isso me doía muito. No meu primeiro ano fora eu já queria voltar, mas minha mãe me acalmou. Às vezes a Kamilly falava: ‘Mãe mesmo fica perto dos filhos’.
Dava vontade de largar tudo.
Os anos foram passando e sempre que tinha folga, mesmo que de apenas um, dois dias, eu voltava para casa. Antes quando eu trabalhava, eu só conseguia me ajudar. Mas logo no meu primeiro ano fora jogando, já consegui dar uma ajudinha financeira em casa. O tempo foi passando, Kamilly foi crescendo e foi entendendo mais a situação. Em compensação, hoje tudo que ela quer eu dou.
Hoje consigo dar uma vida para ela que, se não tivesse o futebol, eu não conseguiria. Por mais difícil que ainda seja, eu consigo atualmente ficar mais próxima, visitar mais, trazer para hotel. Só não consigo ainda trazer para morar comigo porque não envolve só condições financeiras. Envolve várias coisas, tem escola, minha mãe já acostumou com ela também. Mas graças a Deus ela está crescendo e já entende bastante.
Ela é a minha melhor amiga!
Kamilla, atacante do Botafogo, ao lado da filha Kamilly, de dez anos
Créditos: Arquivo Pessoal
Fonte: CBF
Crédito de imagem: Créditos: Júlio César Silva/Ascom Real Brasília