Pesquisa realizada pela União Brasileira de Compositores (UBC) junto a compositoras, intérpretes, musicistas, produtoras fonográficas e técnicas, não necessariamente associadas à entidade, e respondida por 252 profissionais do setor do sexo feminino, constatou que 79% das mulheres na música já sofreram discriminação de gênero e 53% jamais receberam valores de direitos autorais, porque não tinham músicas tocando em algum lugar ou não eram associadas à UBC.
Segundo a coordenadora de Novos Negócios da UBC, Vanessa Schütt, o resultado da enquete é um reflexo da sociedade brasileira. “O sistema patriarcal e machista que ainda vigora no país está presente nos depoimentos de várias mulheres que participaram da sondagem e comprova o que o relatório anual Por Elas Que Fazem a Música, lançado pela UBC em março passado, já atestava”, disse.
O relatório tinha por finalidade medir a participação feminina entre os associados e revelou, por exemplo, que do total de associados da UBC, só 15% são mulheres, e dentro dos 100 maiores arrecadadores, só 9% são do sexo feminino.
“Em uma entrevista de rádio me perguntaram por que eu, cantora sertaneja, não chamo um homem para fazer dupla comigo. O entrevistador disse que, ao estar acompanhada de um homem, seria mais fácil vender show e até mesmo um empresário investir em mim”, declarou uma artista à pesquisa.
Ambiente hostil
A pesquisa, inédita e aberta, divulgada torna visível a dificuldade enfrentada pelas profissionais do setor da música em um ambiente hostil. Do total de participantes da pesquisa, 33% são compositoras; 30% se disseram intérpretes; 19% são produtoras fonográficas; 17% são músicas executantes; e 3% trabalham em outras áreas dentro da música, como funções técnicas, por exemplo. Várias responderam que atuam em mais de uma função.
Por regiões, a maior parte, equivalente a 63%, são oriundas da Região Sudeste, seguindo-se Nordeste, Sul, Centro-Oeste e Norte. Por faixa etária, a maioria (35%) tem de 31 a 40 anos de idade; 28% até 30 anos; e 24%, de 41 a 50 anos de idade.
“Uma coisa que a gente queria pegar e que não tem na nossa base de dados é a orientação sexual”, disse Vanessa. A ideia da UBC é incluir a pergunta também nas próximas pesquisas para ampliar sua base de dados.
As respostas à enquete sinalizam avanços na aceitação às diferença no mercado musical: 55% se definiram como mulheres cisgênero heterossexuais, 23% como cis bissexuais; 17% como cis homossexuais, e pouco mais de 1% como mulheres transgênero.
Escolaridade
A pesquisa aponta que 60% das mulheres se declararam brancas, contra 40% de pardas, pretas, amarelas e indígenas. Em relação à escolaridade, a enquete mostrou que 46% têm curso superior completo, 12% têm mestrado e doutorado e apenas 3% têm segundo grau incompleto ou menor escolaridade.
A maior ou menor escolaridade, entretanto, não interfere no recebimento de valores autorais: 53% declararam nunca ter recebido nenhum valor de direitos autorais e 51% afirmaram receber, no máximo, R$ 800 anuais oriundos dessa fonte. As que recebem mais de R$ 54 mil em direitos autorais representam apenas 3% das respondentes.
Segundo a UBC, elas traduzem “a grande disparidade na distribuição dos rendimentos, verificada em outros levantamentos, e que se deve, entre outros fatores, à dificuldade de inserção para artistas independentes e de fora do mainstream [corrente dominante] no mercado musical como um todo”.
Vanessa Schütt disse que a intenção da UBC é aumentar sempre no relatório e pesquisas as questões envolvendo a mulher, “para as pessoas entenderem que a desigualdade existe e todo mundo deve se mexer e refletir para fazer alguma coisa para mudar esse quadro”.
A maioria das participantes se declarou solteira (53%), 68% não têm filhos, o que pode indicar a dicotomia entre dedicar-se à carreira ou formar uma família, que é frequentemente imposta às mulheres não só no meio musical, mas no mercado como um todo.
Por meio da enquete e do relatório anual, a UBC pretende destacar a necessidade de equiparação de condições de trabalho e rendimentos entre homens e mulheres no mercado musical, porque considera que isso beneficiaria toda a cadeia produtiva.
Descrédito
Entre os depoimentos recebidos pela UBC, destacam-se:
“Basta você dizer que é compositora para ser desacreditada. Mulher cantando é até aceitável, mas compondo, acham que não temos competência”.
“Em algumas entrevistas, as perguntas técnicas acerca da composição de música ou de dificuldades da banda eram direcionadas apenas aos meus companheiros de banda. Minhas perguntas eram mais relacionadas ao que eles consideravam do ”mundo feminino”.
“Colegas músicos frequentemente não escutam minhas opiniões por acharem que não tenho muito a acrescentar, apesar de eu ser graduada em música pela Universidade Federal da Bahia e ter vasta experiência no mercado”.
“Recebi o cachê mais baixo que o combinado pelas gravações de voz de um disco completo. Eu era a única mulher da banda e atuava como cantora/intérprete. Até hoje não recebo pelos direitos conexos.”
“Sempre me perguntam se sou mesmo a compositora e a arranjadora das minhas músicas. Frequentemente ficam muito surpresos quando digo que produzo.”
“Já ouvi tantos absurdos, mas alguns dos que mais me marcaram foram falas do tipo ‘além de bonita, ainda canta’; e ‘é bom ela ficar na frente, enfeita o palco’. Também já fui descartada por um produtor quando descobriu que eu não estava solteira.”
“Nos festivais, em sua grande maioria, o corpo de jurados é formado em sua totalidade por homens.”
“Em um barzinho, enquanto um cantor se apresentava, eu pedi o microfone e cantei um pedaço da minha música que fala sobre empoderamento feminino. Todos aplaudiram muito, e ele, ao final, tentou me convencer a ceder minha música para ele gravar. Disse que faria muito mais sucesso na voz dele.”
Edição: Fernando Fraga
Fonte: Alana Gandra – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
Crédito de imagem: © Festival Mulambo Jazzagrário/Divulgação