Uma resolução da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, publicada nesta segunda-feira (17) no Diário Oficial do Município, autoriza internados em hospitais da cidade a receber visitas de pessoas que tenham tomado, há pelo menos 14 dias, a segunda dose da vacina contra a covid-19. O texto reitera o uso obrigatório de máscara para entrada nas unidades de saúde.
A direção dos hospitais tem autonomia para decidir quando começarão as visitas, bem como os horários e regras próprias em cada unidade, informa a secretaria.
A medida preocupa o médico epidemiologista Guilherme Loureiro Werneck, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). Segundo Werneck, é plausível que se tenha algum grau de flexibilização com pessoas que tomaram as duas doses, inclusive para que todos entendam os benefícios da vacinação, mas autorizar a visitação hospitalar não seria adequado por enquanto.
“Mesmo com as duas doses, não estamos totalmente protegidos de uma infecção. As vacinas realmente têm mostrado efetividade para proteção de formas mais graves, mas é uma proteção da ordem de 70%. E aí colocar essas pessoas em um ambiente de alta transmissão não é pertinente”, diz o epidemiologista. Para ele, permitir que pessoas já vacinadas com as duas doses visitem leitos de covid-19 não é razoável. “Entendo que as pessoas queiram estar com seus familiares, mas os hospitais estão entre os ambientes de maior risco.”
A visita hospitalar a pacientes internados, com covid-19 ou com outra enfermidade, estava suspensa na rede municipal de saúde desde abril do ano passado. A restrição foi uma das medidas adotadas para impedir a disseminação do novo coronavírus. Para a maior parte da população, por enquanto, a situação permanece inalterada. Isso porque os dados oficiais informam que 853 mil pessoas receberam a segunda dose até o momento, o que representa pouco mais de 12% dos moradores da capital fluminense.
Todos os três imunizantes atualmente em uso na cidade são aplicados em duas doses. No caso da CoronaVac, produzida por meio de parceria entre o Instituto Butantan e a farmacêutica chinesa Sinovac, o intervalo indicado entre as duas aplicações é de 28 dias. Para a Covishield, desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela empresa Astrazeneca e fabricada no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o período entre as duas doses é maior: três meses.
A vacinada produzida pela Pfizer e pela biofarmacêutica BioNTech, a terceira a ser distribuída aos estados e municípios brasileiros pelo Programa Nacional de Imunização (PNI), começou a chegar ao país nas últimas semanas. Embora a bula dos fabricantes indique o intervalo de 21 dias entre as duas doses, o Ministério da Saúde decidiu adotar um período de três meses. A decisão acompanha autoridades sanitárias de alguns países, como o Reino Unido.
Eventos
Com publicação prevista para esta semana, outro decreto da prefeitura do Rio deverá liberar a realização de eventos musicais e artísticos na cidade, com uma série de regras para minimizar os riscos de transmissão da covid-19.Entre as medidas que devem ser adotadas, está o teste de todo o público com antecedência de até 12 horas. Para Werneck, mesmo assim, os presentes a esses eventos não estarão seguros, pois nenhum exame tem sensibilidade de 100%.
“Pessoas com teste negativo podem estar infectadas e transmitindo. Então, não faz sentido criar um ambiente de aglomeração. Testagem não é solução para liberar aglomeração. Testagem pode ajudar em outras circunstâncias, como gerar protocolos de viagem, esse tipo de coisa. Agora, não estamos vivendo o melhor dos mundos, e permitir aglomeração é criar riscos numa época que está longe do ideal”, afirma o epidemiologista.
Com a transmissão ainda em níveis altos, a flexibilização tem que ser muito pensada, acrescenta. “Antes desse tipo de medida, eu gostaria de ver um resultado no controle da infecção, com uma queda significativa nos níveis de transmissão e evolução do número de vacinados.”
A liberação de shows e outras atrações artísticas foi adiantada na sexta-feira (14) pelo prefeito Eduardo Paes. “Teremos um conjunto de regras neste primeiro momento, mas a gente não espera que fique por tanto tempo”.
Paes também apresentou um calendário de vacinação na ocasião. Ele disse ainda que a meta da prefeitura é aplicar a primeira dose em 90% da população adulta até outubro e que acredita na retomada das tradicionais festas de réveillon e na realização do carnaval no próximo ano, desde que os imunizantes continuem a ser entregues ao município com regularidade.
Experiências
Experiências com eventos têm sido realizadas em algumas cidades europeias. O que chamou mais a atenção foi em Barcelona, na Espanha, no fim de março: um show-teste com quase 5 mil pessoas. Todos foram testados com antecedência e receberam máscaras PFF2, que deveriam usar todo o tempo. Exames realizados após duas semanas detectaram seis casos positivos, embora a produção do evento aponte há indícios de que nem todos contágios se deram durante o show.
“Comparar locais é muito complicado. E o nível de transmissão do Brasil é muito maior que em boa parte desses países. Nós devemos fazer experimentos, mas com um mínimo de racionalidade. Não é razoável fazer esse tipo de coisa em um momento de alta transmissão. Se você tem poucos óbitos, poucos casos e muitos vacinados, é diferente”, pontuou Werneck.
Mesmo com a proibição de eventos, festas clandestinas têm ocorrido com frequência na capital fluminense, muitas delas interrompidas pela Secretaria Municipal de Ordem Pública, após o recebimento de denúncias. No mesmo dia em que Paes anunciou a possibilidade de flexibilização, uma festa no Copacabana Palace para cerca de 500 convidados contou com shows de cantores como Gusttavo Lima, Mumuzinho, Dudu Nobre e Ludmilla. Após fotos circularem na internet, epidemiologistas criticaram o fato, e a prefeitura multou o hotel em R$ 15,4 mil.
“Não existe nenhum protocolo de segurança que previna transmissão em uma festa pra 500 pessoas no Brasil neste momento”, ressalta a epidemiologista Denise Garrett,. vice-presidente da Sabin Vaccine Institute, em mensagem nas redes sociais. Sem fins lucrativos, a organização tem sede em Washington e promove o desenvolvimento, a disponibilidade e o uso de vacinas globais.
Edição: Nádia Franco
Fonte: Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro