Os eventuais prejuízos causados a estudantes universitários pelas frequentes mudanças que instituições de ensino superior realizam em suas grades curriculares voltaram a chamar a atenção dos membros da Câmara de Educação Superior, do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Embora não constasse da pauta da reunião de trabalho que a câmara realizou ontem (10), o assunto foi apresentado pelo presidente do colegiado, o professor da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim José Soares Neto.
“Colocamos o tema durante a reunião pública e alguns conselheiros se manifestaram, observando que, como [no ensino superior privado] estão ocorrendo muitas mudanças de mantenedoras [grupos econômicos responsáveis pelas instituições], os ajustes de matrizes podem ser decorrentes dessa movimentação, mas que é preciso observar todo um processo, pois isso não é algo simples de fazer”, disse Neto à Agência Brasil.
Responsável por deliberar sobre as diretrizes curriculares que o Ministério da Educação propõe para os cursos de graduação de todo o país, compete à Câmara de Educação Superior, entre outras coisas, analisar questões relativas à aplicação da legislação específica para o setor.
“O Conselho Nacional de Educação deve estar atento às questões que estão acontecendo na educação, mas não é seu papel monitorar as instituições. De qualquer forma, a questão está colocada. Há uma notícia [sobre eventuais prejuízos aos universitários]. Cabe aos sistemas de supervisão e avaliação do Poder Executivo verificar se há necessidade de aperfeiçoamento das normas. Caso seja identificada a necessidade de mudanças, é preciso que se apresente ao Poder Públicos elementos fáticos que a justifiquem, pois a mudança de uma norma exige todo um procedimento legal”, disse Neto.
Reclamações
Em março, a Agência Brasil publicou matéria ouvindo estudantes de diferentes faculdades, universidades e centros acadêmicos do país que reclamavam de prejuízos causados por mudanças na matriz curricular de cursos que já frequentavam.
Em geral, o problema afeta mais os alunos de estabelecimentos particulares que precisam trancar suas matrículas e, ao retomar o curso, são surpreendidos por mudanças que os obrigam a cursar disciplinas não previstas anteriormente – o que, em muitos casos, significa que o estudante demorará mais a se formar e, consequentemente, terá mais despesas.
Mas há também casos de estudantes surpreendidos por decisões unilaterais em meio ao curso regular. Caso de Alex Chernehaque. Em março, ele contou à reportagem que, após a faculdade promover mudanças e instituir novas regras, teve que interromper um dos dois cursos que já frequentava.
“Por dois anos, fui fazendo matérias de diferentes períodos do curso de psicologia”, explicou Chernehaque, que também estuda direito na mesma universidade particular.
“Podíamos escolher as matérias que quiséssemos, independentemente do semestre, desde que elas não tivessem pré-requisitos. Cada aluno podia montar sua grade levando em conta as disciplinas obrigatórias que devia cursar para se formar. Eu montava minha grade de forma a não se chocar com as aulas de direito. Até que, com a mudança da matriz curricular e as novas normas, a faculdade me informou que eu teria que retornar ao primeiro semestre de psicologia, alegando que eu não tinha concluído nenhum semestre”, contou Chernehaque, assegurando que, na época, já frequentava o curso de psicologia há quase dois anos.
Na internet, é possível encontrar vários outros relatos semelhantes aos de Chernehaque. Em sites como o Reclame Aqui, internautas se queixam de terem que cursar novas disciplinas; da redução de carga horária ou da extinção de matérias em meio ao curso. Há também pedidos de orientação jurídica de universitários que se queixam de prejuízos financeiros e da imprevisibilidade.
Especialistas
Especialistas anteriormente ouvidos pela Agência Brasil disseram que a legislação concede autonomia para as instituições fazerem mudanças em suas grades, inclusive para se manterem em dia com as mudanças tecnológicas e exigências do mercado de trabalho. Porém, segundo esses mesmos especialistas, as alterações não podem prejudicar os estudantes – principalmente os de instituições privadas, sob o risco de a autonomia universitária prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) se chocar com a proteção assegurada pelo Código de Defesa do Consumidor e o Direito Civil.
“Infelizmente, algumas instituições abusam desta prática, interpretando a legislação de forma a se favorecerem. No caso de entidades privadas, com as quais o aluno tem uma relação contratual que envolve pagamentos financeiros, a questão não é tão simples”, ponderou, em março, o advogado Lindojon Gerônimo, membro da Comissão Especial de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e também professor universitário.
Para o presidente da Câmara de Educação Superior do (CNE), a autonomia universitária é fundamental em um setor tão complexo e dinâmico quanto o ensino superior, mas se houver instituições usando-a “de forma equivocada” e “excessos” forem identificados em processos de supervisão e avaliação, a sociedade terá que discutir formas de resolver o problema, conciliando interesses.
“Se nos processos avaliativos for detectado um excesso de mudanças e houver um parecer, o conselho discutirá se é hora de mudar as normas. Mas, para isso, é preciso que o Poder Público seja provocado e que haja elementos que justifiquem o conselho a tomar alguma medida”, explicou Neto.
Edição: Lílian Beraldo
Fonte: Alex Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Brasília