Com a disparada dos preços da carne bovina em 2020 e a queda da renda das famílias durante a pandemia, o consumidor teve que recorrer a proteínas mais baratas como o frango e o ovo, mesmo com o aumento do valor destes nas gôndolas dos supermercados.
E, no dia 21, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) alertou o governo federal de que “novas elevações nos preços” dessas proteínas podem ocorrer “nos próximos meses”, por causa da alta dos custos de produção do setor.
Economistas avaliam que os preços das proteínas podem subir mais, mas veem dificuldades para as empresas repassarem todos os seus custos ao consumidor, neste momento de desemprego alto e queda dos rendimentos.
Na prévia da inflação de maio, o frango inteiro subiu 14% nos últimos 12 meses, enquanto os pedaços tiveram alta de 13,5%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O preço do ovo, por sua vez, avançou 7%, e, dentre as carnes de porco, a linguiça disparou 30% e até mesmo a salsicha ficou 12% mais cara.
No estado de São Paulo, por exemplo, as pessoas estão pagando, em média, R$ 13 pelo quilo da salsicha. Há um ano atrás, o consumidor já desembolsava cerca de R$ 10 pelo quilo do alimento.
Variação dos preços das carnes de frango e porco e dos ovos — Foto: Arte/G1
A principal queixa dos frigoríficos é com relação à escalada dos preços do milho e da soja no mercado internacional, que tem encarecido a ração dos animais, além dos custos com o diesel e embalagens.
O Índice de Custos de Produção (ICP), calculado pela Embrapa Suínos e Aves, mostra que produzir frango em abril estava 39,79% mais caro do que igual mês de 2020. Já para suínos, essa alta foi de 44,5%.
A Embrapa diz que não faz esse levantamento para ovos, mas afirma que boa parte do setor nacional está no negativo.
Os frigoríficos pediram uma série de medidas ao governo para enfrentar a situação, como incentivos e redução de custos para importar milho e soja, mesmo o Brasil sendo um grande produtor desses grãos (veja o que o governo federal pensa sobre os pedidos do setor ao fim da reportagem).
Afinal, vai ficar ainda mais caro?
O aumento dos preços das carnes de porco e frango e até mesmo dos ovos é “inevitável” para o consultor de Agronegócio do Itaú BBA Cesar de Castro Alves.
“Esses três setores já estão bastante pressionados desde o ano passado. Em 2020, as empresas ainda tinham um pouco de milho e soja comprados a preços mais baixos. Agora, a gente não tem mais isso. Estamos há mais ou menos uns seis meses com preços bem elevados”, diz Alves.
O preço da saca de 60 kg do milho dobrou entre maio de 2020 e igual mês deste ano, saindo de um patamar de R$ 50 para R$ 100, segundo o indicador Esalq/BM&FBovespa. Já o valor da soja subiu cerca de 60%, de R$ 108 para R$ 173 no mesmo período.
Milho e farelo de soja, que são a base da ração dos frangos e porcos, representam 70% dos custos de produção do frango, ovos e suínos, explica o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin.
Preços dos grãos em alta
Milho é a base da ração dos porcos e frangos. — Foto: Governo do estado de Mato Grosso
Os preços dos grãos se sustentam em patamares elevados devido a uma procura maior do que a oferta desses produtos no mundo.
“Não é uma questão nacional (a alta dos grãos). É um problema global que não se resolve no curto prazo”, diz Alves.
Os Estados Unidos são o maior produtor de milho e, “mesmo que dê tudo certo” com a safra deles neste ano, ela ainda terminará com estoques historicamente baixos, completa o consultor do Itaú.
Já no Brasil, maior produtor do grão depois dos EUA e China, a segunda safra de milho, conhecida como milho safrinha, deve vir menor do que o esperado devido a problemas climáticos. “Era para gente ter 90,80 milhões de toneladas, mas devemos colher algo próximo de 75, 70 milhões”, diz Alves.
Além de atrasos no plantio, a falta de chuvas prejudicou as lavouras do Paraná, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás e São Paulo. “O principal estado do milho safrinha é Mato Grosso. Lá, foi relativamente bem, mas no resto da turma não choveu, literalmente. Isso nos aperta e cria uma perspectiva complicada para o segundo semestre”, acrescenta.
No Brasil, outro fator que contribui para a redução da disponibilidade de grãos é a desvalorização do real em relação ao dólar, que faz com que as empresas nacionais prefiram vender para outros países.
Procura maior
A oferta é menor, mas a China tem necessitado de um volume grande de grãos para recompor o seu rebanho suíno, após a peste africana que dizimou boa parte dos animais no país.
Além disso, com o avanço da vacinação contra a Covid-19 em muitos países, a tendência é de que ocorra uma aceleração da demanda por vários tipos de produtos, incluindo alimentos, diz André Braz, coordenador dos Índices de Preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE FGV).
“Não vai haver trégua para o preço das proteínas animais em 2021. Tem mais coisas contra do que a favor”, diz Braz.
Renda e desemprego
Já o professor da FGV Agro Felippe Serigati tem dúvidas se os produtores irão conseguir repassar os seus custos para os preços ao consumidor neste momento. “O desemprego está alto, a renda está muito comprometida, o auxílio emergencial está em um valor menor”, afirma.
Braz destaca, por sua vez, que qualquer transferência mínima de custos já é sentida mais intensamente pelas pessoas no atual cenário.
“Com renda, se tem aumento de preços, você até dá um jeito. Só que, sem emprego, não tem conversa. A sensação é de que a inflação é até maior”, ressalta.
Já Alves, do Itaú, reforça que os preços das proteínas animais devem subir mais, mas não acredita que a indústria conseguirá repassar tudo o que precisa para zerar as perdas.
Frigoríficos diminuem produção
Com o aumento dos custos, os frigoríficos, principalmente os menores – que são mais voltados para o mercado interno – começaram a diminuir a sua produção de carne, conta o presidente da ABPA, Ricardo Santin.
Os grandes ainda conseguem lucrar com a exportação. E, quem se organiza em cooperativas, também acaba tendo um poder maior para negociar insumos.
As empresas de ovos, por sua vez, já reduziram a produção no final de 2020, diz o consultor do Itaú.
Para Serigati, esse cenário de corte de oferta traz riscos para o médio prazo. Quando a demanda no Brasil voltar a subir, a tendência será de mais aumento de preços.
O que diz o governo
Alguns dos pedidos da ABPA para o governo federal são medidas para reduzir os custos de importação do milho e soja, que estão maiores por causa do dólar elevado.
“A nossa moeda segue muito desvalorizada e a previsão é de que ela fechará este ano em R$ 5,30”, comenta Braz.
As solicitações dos frigoríficos sobre esse tema são:
- Suspensão do imposto Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) sobre a importação de grãos de países não-integrantes do Mercosul;
- Suspensão temporária de cobrança de PIS e Cofins para comprar milho e soja de países de fora do Mercosul. Isso já existe para as empresas que exportam, mas o setor quer que isso seja estendido às empresas que só vendem para o mercado interno;
- Suspensão temporária de cobrança de PIS e Cofins sobre os fretes realizados no mercado interno.
Rogério Boueri Miranda, subsecretário de Política Agrícola e Negócios Agroambientais do Ministério da Economia, diz que a questão do imposto da Marinha Mercante já foi encaminhada pelo Executivo, com a criação do Projeto de Lei 4199/2020, conhecido como BR do Mar.
“A lei já está no Congresso. Agora depende da agenda do Legislativo. A parte do Executivo está feita”, diz.
“Já a questão do PIS e Cofins é um problema porque, pela lei de responsabilidade fiscal, para você desonerar alguém, você tem que onerar ou reonerar algum setor. E convenhamos que não é fácil a gente achar setores neste momento que tenham espaço para onerar”, ressalta.
Os frigoríficos também pediram políticas de incentivo de plantio de milho e de cereais de inverno no Brasil. Sobre isso, o Ministério da Agricultura afirmou que está formatando políticas que serão anunciadas durante a divulgação do Plano Safra 2021/2022.
O setor quer ainda autorização do governo para importar tipos de milho transgênico que ainda não foram aprovados pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), do Ministério da Ciência.
“Nós queremos uma autorização emergencial para dar segurança para que eu traga esse milho somente para fazer ração e não para plantar”, explica o presidente da ABPA, Ricardo Santin.
Segundo ele, os tipos de milhos que a associação quer trazer são mais baratos do que o grão que o Brasil já compra.
O G1 procurou o Ministério da Ciência, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.