Com uma incidência estimada em mais de 16 mil casos por ano no Brasil, o câncer de colo do útero se tornou foco de um projeto da Fundação do Câncer, por ser considerado um dos mais evitáveis e tratáveis. Praticamente todos os casos da doença são consequência de lesões que se agravaram a partir de infecções do vírus HPV, contra o qual já há vacina e tratamento, destacou o diretor-executivo da fundação e cirurgião oncológico, Luiz Augusto Maltoni.
“Dos tipos de câncer, sem dúvida, é um dos mais evitáveis, porque se conhece o agente causal, diferentemente da maioria dos outros tipos de câncer, que não se conhece de onde se originam”, disse Maltoni, que acrescentou que a doença é tratável com grandes chances de cura quando é descoberta nos estágios iniciais.
“Quando a gente fala em controle de câncer, a gente fala de mais de 200 doenças e uma infinidade de ações que podem ser feitas. Optamos por eleger um tipo de câncer para trabalhar nos próximos anos com muita ênfase. Será uma prioridade absoluta da fundação a partir deste ano.”
A fundação foi criada em 1991 para apoiar o Instituto Nacional do Câncer (Inca) na busca por alternativas econômico-financeiras para ampliar o atendimento aos portadores de câncer e intensificar as ações de prevenção e controle da doença.
Metas da OMS
Ao divulgar a ação, Maltoni lembrou que hoje completa um ano do lançamento das metas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o combate ao câncer de colo de útero até 2030.
A OMS preconiza que os países devem vacinar 90% das meninas com 15 anos contra o HPV, garantir que 70% das mulheres façam testes de rastreamento aos 35 e aos 45 anos e permitir que 90% das mulheres diagnosticadas estejam em tratamento contra o câncer de colo de útero.
No projeto apresentado hoje, a fundação avalia que Brasil ainda está longe de atingir esses objetivos. Para ajudar nesse percurso, a entidade anunciou que vai atuar no incentivo à produção científica sobre a doença e na capacitação da assistência primária e secundária – fortalecer da vacinação contra o HPV ao diagnóstico e tratamento do câncer de colo do útero.
Diagnóstico em fase avançada
A pesquisadora da instituição, Flávia Miranda Corrêa, alertou que 35% dos casos desse câncer já são diagnosticados em fase avançada, o que dificulta o tratamento, diminui as chances de cura e faz com que ele seja a quarta maior causa de morte por câncer entre as brasileiras. Esse dado fica ainda mais grave em regiões com menor acesso ao rastreio e diagnóstico da doença, como o Nordeste, Norte e Centro-Oeste, onde o câncer de colo de útero sobe para as três primeiras posições entre os mais letais entre as mulheres.
“Uma mulher da Região Norte tem três vezes mais chances de morrer de câncer de colo de útero que uma mulher da Região Sudeste”, disse a pesquisadora. “Precisamos informar às pessoas e à sociedade que a vacina é necessária, é segura, e que o rastreamento é indispensável para que a gente possa chegar perto dessa meta da OMS e conseguir avançar no caminho da eliminação do câncer de colo de útero”, completou.
A médica acrescenta que a realização do exame preventivo é importante porque o câncer de colo de útero só apresenta sintomas quando está em estágio avançado. “As lesões precursoras são assintomáticas. Por isso mesmo é necessário fazer o exame independentemente de estar sentindo alguma coisa. Quando acontecem os sintomas, o câncer está em estágio mais avançado e tem um prognóstico pior.”
Vacinação
Outro problema apontado pela fundação é a baixa adesão à vacina contra o HPV, que requer um esquema de duas doses para meninos e meninas, porém apenas 57% delas e 36% deles completaram essa prescrição no ano passado. Como o HPV é muito recorrente na população adulta, a pesquisadora explica que a vacinação contra o vírus prioriza a população de crianças e adolescentes no Sistema Único de Saúde para imunizá-los antes que tenham suas primeiras experiências sexuais. Desde 2017, a vacina é recomendada pelo Programa Nacional de Imunizações para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos.
“A vacina vai ser eficaz se a mulher não tiver tido contato com o vírus ainda. Após o início da atividade sexual, a possibilidade de que já tenha havido o contato com o vírus é grande, e aí não vai ter eficácia”, disse Flavia, que defendeu a vacinação nas escolas para ampliar a cobertura e rebateu a ideia de que a vacina estimularia o início da vida sexual de crianças e adolescentes.
“Existem estudos em vários contextos e aqui no Brasil que dizem que isso não é verdade. Tem um bordão nos Estados Unidos que é muito feliz e vou repetir: a vacina não abre a porta para a iniciação sexual e, sim, fecha a porta para o câncer. E é nisso que precisamos focar.”
Apesar de citar pesquisas que apontam que o HPV é responsável por mais de 99% dos casos de câncer de colo de útero, a médica explica que o contato com esse vírus é muito frequente entre a população adulta sexualmente ativa. Além disso, há tratamento para evitar que os poucos casos de infecções perigosas evoluam para um câncer.
“O HPV é uma infecção extremamente recorrente e extremamente comum. 80% das mulheres vão ter contato com o HPV em algum momento da vida. Mas essa é uma infecção transitória na maioria das vezes que, espontaneamente, regride, sem nenhum tipo de tratamento. Apenas nos poucos casos em que a infecção persiste, e se for causado por um HPV com potencial de desenvolver câncer e não houver um diagnóstico e um tratamento, pode, então, ocorrer a evolução para o câncer”.
Edição: Lílian Beraldo
Fonte: Vinícius Lisboa – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
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