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ONG no DF vende farofa para ajudar crianças que vivem com vírus HIV

© Marcello Casal jr/Agência Brasil

O sonho da estudante Mariana*, de 20 anos de idade, ganhou cores vivas, vibrantes, algo antes inimaginável. Ela vai terminar o ensino médio agora no final de 2021. Quando podia imaginar que um dia poderia voltar à escola? Mais do que isso: emociona-se quando pensa que é possível criar com qualidade os três filhos, graças à evolução da ciência e ao apoio de uma entidade. Ela deseja, para o futuro próximo, uma profissão de servir, salvar, dar a mão… O sonho é entrar em uma faculdade e ser enfermeira. Poder ajudar outras pessoas, assim como foi com ela, resgatada de um pesadelo.

Mãe de três filhos e vítima de um estupro, quando tinha apenas 16 anos de idade, ela temeu sobre o próprio futuro e das crianças quando descobriu que havia sido contaminada pelo vírus HIV, que pode causar a aids. “Praticamente, estou a um passo de realizar meus sonhos. O que aconteceu comigo foi um milagre”, emociona-se a jovem. Antes, moradora da Cidade Ocidental (GO), município que fica no Entorno do Distrito Federal, ela foi acolhida pelo Instituto Vida Positiva, em Brasília, entidade que completa 15 anos, nesta quarta, e que nasceu com a intenção de apoiar crianças e adolescentes contaminadas pelo vírus.

A organização não governamental (ONG), que funciona em uma casa alugada no bairro da Asa Sul, foi criada em 1º de dezembro,  Dia Mundial de Luta Contra a Aids. A instituição cuida, em sua casa de apoio, de 27 jovens, incluindo crianças e adolescentes, e seus familiares. Ao todo, presta assistência a cerca de 300 famílias, com distribuição de cestas básicas, roupas, utensílios e eletrodomésticos. Distribui ainda mais de 24 mil lanchinhos por ano para pacientes que fazem exame de carga viral em laboratórios de cinco hospitais públicos do Distrito Federal.


Farofa da Vovó Vicky ajuda portadores do vírus HIV em Brasília – Marcello Casal jr/Agência Brasil

A pior doença

A fundadora e coordenadora do Vida Positiva, Vicky Tavares, de 72 anos, entende, porém, que, além de garantir as condições essenciais para essas pessoas, uma função fundamental do instituto é buscar direitos assistenciais, o que inclui informação e a luta contra um adversário que permanece muito vivo em 2021, e ainda mais poderoso que o vírus, o preconceito. “Essa é uma doença muito pior”, afirma.

“Chego a dizer que, sobre essa situação, muito pouco mudou. Há pessoas preconceituosas por todos os lugares. Mesmo com tanta evolução dos tratamentos de saúde e da ciência, falta de esclarecimento e insensibilidade são realidades, ainda hoje”, explica. Olhares, comentários e até piadas fazem parte de uma violência que se mostra velada (e nem sempre escancarada), como explica a ativista. Ela busca todas as oportunidades para explicar a vizinhos, amigos, doadores, empresas apoiadoras que a bem sucedida política pública no país de distribuição de medicamentos garante vida com qualidade aos pacientes e que, por vezes, a carga viral se torna indetectável.

“As unidades públicas de saúde daqui têm garantido todos os remédios necessários a pacientes que tiveram detectado o HIV. Essa é uma grande conquista e que mais gente deveria saber”.  Vicky, que é paraense e era empresária da área da moda, criou a entidade depois de perder um grande amigo para a aids, o cabeleireiro Duda. Antes de criar a própria entidade, atuou em uma ONG na região administrativa de Taguatinga (DF), voltada especificamente para cuidar de crianças com o HIV. Quando essa instituição iria encerrar essas atividades, conseguiu autorização para criar o Vida Positiva.

“Eu passei a me dedicar integralmente a essa causa. Mostrar que podíamos nos abraçar, dividir os pratos, podíamos nos beijar. Afeto e informação são fundamentais”.

Ela recorda que o amor ao trabalho voluntário surgiu quando ela era apenas uma adolescente em Belém, e uma tia (Cecília) percorria com ela áreas periféricas para ajudar quem estava com fome ou sem assistência de saúde.

Pandemia

Com a pandemia, a situação se agravou para a entidade, que perdeu cerca de 40% em doações. A voluntária da entidade, a cabeleireira Daniela Gomes, de 44 anos, que participa das atividades como captadora de doações por telemarketing, lamenta que, com a crise, ou a entidade perdeu apoiadores ou reduziram em quantidade de recursos.

Entre as conquistas recentes, Daniela destaca que o isolamento social não impediu as crianças de estudarem. A entidade conseguiu apoio junto à Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL), que cedeu computadores para que as crianças pudessem acompanhar as aulas on-line nos últimos dois anos de distanciamento.


Farofa da Vovó Vicky ajuda portadores do vírus HIV em Brasília – Marcello Casal jr/Agência Brasil

Segundo Vicky Tavares, as atividades necessitam ainda de voluntários na área de educação que possam eventualmente ajudar a tirar dúvidas nas diferentes disciplinas.

Roda de conversas

Outra voluntária, a administradora Carolina Pereira, de 43 anos, no Vida Positiva faz as vezes diariamente de contadora de histórias. “São crianças com muitas necessidades de conversar e de ter atenção. Nós cantamos, conversamos. Para mim, nesses 15 anos, tem sido uma alegria inexplicável”.

As histórias e as conversas ganham diferentes temas de acordo com as idades dos jovens. “Adolescentes têm outras dúvidas e é importante que possamos trocar impressões”. A equipe conta ainda com apoio psicológico e de assistência social para informar sobre direitos de benefícios que pessoas com HIV têm no país. “Resguardar os direitos de pessoas com HIV é uma ação que envolve burocracias, mas fez com que eu aprendesse muito”, garante a assistente social Laís Dantas. Ela tem a missão de viabilizar documentações e conhecer as realidades de cada um dos atendidos para que os benefícios saiam do papel.

Farofa

Para atender as necessidades financeiras da entidade, além das doações, a equipe criou uma forma alternativa de conseguir recursos: a venda de uma “farofa” solidária, que é comercializada em feiras e nas redes sociais também. Um detalhe é que o produto não é apenas no sabor tradicional, mas também oferecido em 20 versões, incluindo de torresmo, de damasco e até chocolate (com pimenta ou sem).

A expectativa é que, com a proximidade do final de ano, as vendas da farofa e também as doações aumentem. “Na época de Natal, as pessoas ficam mais sensíveis e recordam. O desafio é conscientizar de que precisamos de apoio sempre”, afirma a voluntária Daniela Gomes.

O produto, em seus diferentes sabores, é todo feito na cozinha da ONG. “Eu sempre gostei de cozinhar e me perguntava o que eu poderia fazer que poderia ser vendável. O que eu poderia fazer para ajudar essas pessoas? Minha família sempre elogiou a farofa que eu fazia em casa. Achei que podia ser viável. E passamos a inventar. O trabalho foi garantir mais ingredientes e aumentar as panelas. Importa aqui compartilhar amor entre a gente. Essa é a receita da farofa”, ressalta Vicky Tavares. Farinha, manteiga, cebola e bons sentimentos.

Os três filhos da estudante Mariana* (de 4, 3 e 2 anos) são também fascinados pela farofa, ingrediente obrigatório na hora do almoço (antes ou depois também).. Nada sobra no prato. As crianças preferem a de chocolate. No sorriso, explicam a razão: “é mais doce”. A mãe sorri. Ela não imaginava que um dia a vida poderia ser doce.

O nome da entrevistada foi alterado para manutenção da privacidade.


Farofa da Vovó Vicky ajuda portadores do vírus HIV em Brasília – Marcello Casal jr/Agência Brasil

Edição: Nathália Mendes/ Bruna Saniele

Fonte: Luiz Claudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil – Brasília
Crédito de imagem: © Marcello Casal jr/Agência Brasil

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