“Quantas vezes os africanos têm de provar?”. O desabafo de Pitso Mosimane após classificar o Al Ahly para a semifinal do Mundial de Clubes pelo segundo ano seguido pareceu arrogância para alguns, mas é um resumo de sua carreira: a luta por espaço. Nesta terça, o técnico sul-africano tenta romper mais uma barreira e levar, pela primeira vez, o time egípcio à final do torneio da Fifa.
Mosimane, de 57 anos, tem uma trajetória no Al Ahly parecida com a de Abel Ferreira no Palmeiras. O sul-africano chegou ao gigante do Egito em setembro de 2020. Foi campeão da Liga dos Campeões da África em novembro daquele ano. E depois levou o bi em julho de 2021, ou seja, em um intervalo de oito meses – o português foi bi da Libertadores em 10 meses.
Pitso ainda tem outra taça continental conquistada com o Mamelodi Sundowns, do seu país natal, em 2016. O sucesso atual é visto com naturalidade por um de seus mentores: Carlos Alberto Parreira.
Mosimane era auxiliar do brasileiro na seleção sul-africana entre 2008 e 2010. Talvez influenciado pelo momento, o comandante do Brasil no Tetra diz que Pitso foi seu melhor assistente da carreira.
“Não me surpreende (sucesso de Pitso). Sempre comentei com todos que torci muito por ele. Sempre foi excelente. Estava pronto para contribuir a qualquer momento”, diz Parreira, ao ge.
– Ele estava o tempo todo alerta. Sempre muito interessado. Quando saí (da África do Sul), me pediram indicação de quem poderia assumir. Disse que não precisava procurar ninguém, ele já estava pronto – comenta o brasileiro, que ainda mantém contato com o ex-auxiliar.
Mosimane, no entanto, trabalhou apenas como interino no comando da África do Sul e seguiu sua carreira nos clubes. Mas nunca se esquece do período com o técnico campeão mundial em 1994. E, antes de encarar o Palmeiras, ressaltou sua influência.
– Parreira me mandou uma mensagem ontem (domingo) me parabenizando mais uma vez. Me sinto muito agradecido – disse o técnico do Al Ahly.
“O Parreira me deu a minha primeira oportunidade na vida e eu aprendi muito com ele. A forma como eu ensino os jogadores tem muito do que ele me ensinou”, define Pitso.
Depois que deixou a seleção sul-africana, Mosimane iniciou um ciclo vitorioso no Mamelodi Sundowns, onde ficou sete anos e meio. Lá conquistou cinco vezes a liga local, uma Champions da África e uma Supercopa. O zagueiro e lateral brasileiro Ricardo Nascimento viveu os últimos anos de Pitso no time sul-africano e reitera: o técnico está pronto para um salto maior na carreira.
– Ele é um treinador que ajuda muito o jogador, pensa sempre na família do jogador. Fala sempre o que pensa. É um treinador com a personalidade forte, e eu admiro isso nele. Ele fala as coisas na cara. Taticamente ele é muito bom, estuda muito a outra equipe – diz o jogador, que está no Sundowns desde 2016.
“Ele é muito vencedor. Tenho certeza que ele é um dos melhores da história. Logo estará na Europa se esse for o objetivo dele”, declarou Ricardo.
“ Vi um diamante quando ninguém acreditava”
Assim como Abel Ferreira, Pitso Mosimane chegou com desconfiança na sua atual equipe. Até ele, apenas estrangeiros europeus e sul-americanos haviam treinado o Al Ahly, um clube cuja em constante pressão por títulos. O sul-africano foi o primeiro negro e africano não egípcio a assumir o time. E não demorou a surpreender.
“Vi um diamante na África do Sul e fui sozinho trazê-lo para cá, enquanto ninguém acreditava em Pitso Mosimane”, disse o presidente do Al Ahly, Mahmoud El Khatib.
– A primeira vez que vi meu diamante, meu time estava seis anos sem vencer a Liga dos Campeões da África. Quando o trouxe para o Cairo, as portas da África se abriram, e ele trouxe para minhas mãos a desejada medalha da África – declarou El Khatib, depois do bicampeonato continental.
Khatib não tinha dúvidas na sua busca. Um ano antes de sua contratação, o dirigente viu seu Al Ahly perder por 5 a 0 para o Mamelodi Sundowns de Pitso Mosimane, nas quartas de final da Champions africana.
O presidente do Al Ahly, então, fez uma aposta que parecia incerta e cara. Segundo relatos da imprensa egípcia, Mosimane tem um salário de 120 mil dólares e bônus de 480 mil dólares por cada título da Liga dos Campeões. E não se arrepende. Além das duas taças continentais, ele levou duas Supercopas da África, um Campeonato Egípcio e uma Taça do Egito.
– Eu sei que muitas vozes estão de luto agora no Egito com raiva porque Mosimane mais uma vez entregou não um, nem dois, nem três, mas o quarto título em minhas mãos. Agora ele não me deve nada, sou eu que lhe devo um contrato digno – garantiu o presidente do clube egípcio.
O contrato, inclusive, segue um problema, mesmo seis meses após tal declaração. Pitso tem vínculo com o Al Ahly até junho e ainda não o renovou. Em entrevista ao New York Times, o treinador não esconde que pensa em treinar gigantes europeus. E diz que “não se sairia tão mal”. Mas admite que é improvável.
No momento, Pitso Mosimane se preocupa apenas com uma coisa: ser o primeiro técnico africano, em um time africano, a desbancar sul-americanos e europeus e ser campeão do Mundial de Clubes. E ele espera esse reconhecimento.
– Eles (Palmeiras) têm uma vantagem, como sul-americanos comparado a africanos. Eles jogam só semifinais e finais A vida para eles é ótima. Nós somos africanos e estamos lutando. Se Deus quiser, vamos conseguir – disse o técnico do Al Ahly.
Por Daniel Mundim e Felipe Schmidt