O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência da República, vai propor em seu programa de governo um novo pacto com entes federados (estados e municípios) com o objetivo de revogar leis e medidas que foram adotadas pelo governo de Jair Bolsonaro (PL), seu principal adversário na corrida ao Palácio do Planalto neste ano.
Entre os pontos rechaçados pelos auxiliares de Lula que trabalham na proposta estão a implantação da gestão integrada com militares em escolas públicas; leis que limitam os investimentos na educação – como a Emenda 95, que instituiu o teto de gastos; intervenções do governo federal no Conselho Nacional de Educação (CNE); permissões de terceirização de serviços da educação para organizações sociais com caráter privatista; e o que chamam de “desmantelamento” de políticas de inclusão de minorias.
Auxiliares de Lula ainda discutem a necessidade de revogação do Novo Ensino Médio, que prevê mudanças curriculares e, na avaliação de formuladores, aponta para uma visão mais restrita da formação.
Fonte de recursos
De acordo com o ex-deputado Carlos Abicalil (PT-MT), que coordena a discussão sobre o assunto, a questão mais importante é resolver o problema do financiamento da educação.
Ele ainda sustenta que, além do trauma da pandemia, o país convive com “total desorientação” por parte do Ministério da Educação. “Além do desmonte, há uma desorientação total. Estamos no quinto ministro da Educação e ainda não se completaram os quatro anos de governo”, ressaltou Abicalil.
“Um aspecto que para nós é muito importante é a revogação da Emenda Constitucional 95”, enfatiza a vereadora Macaé Evaristo, de Belo Horizonte, uma das principais colaboradoras no desenho das propostas, no âmbito da Fundação Perseu Abramo.
“Ela congelou investimentos. Esse debate é importante, e dialoga até com a visão que se tem de Estado”, diz Evaristo.
Recursos do pré-sal
No âmbito do financiamento, o plano petista ainda considera a ideia de retomar a aplicação de royalties de petróleo, da camada pré-sal, na educação, como forma de financiar a área.
Nesse caso, será necessário propor mudanças na legislação, visto que os marcos regulatórios previstos quando o pré-sal foi apresentado pelo governo da ex-presidente Dilma Rousseff não existem mais. Mesmo assim, auxiliares de Lula na construção do plano falam em resgatar esse investimento.
“Eu acho que resolver o problema do financiamento da educação é um ponto importante. A gente precisa discutir de onde virão os recursos. O pré-sal era uma possibilidade, efetiva, real, e eu sinto que o povo brasileiro foi roubado nesse processo”, enfatizou Macaé.
“Eu penso que esse debate precisa ser recolocado e que isso necessita de pressão. Não existe política sem debate. Hoje tem muita gente discutindo o financiamento da educação, e a gente precisa colocar esse tema às claras. Se não é o pré-sal a financiar a educação, o que vai ser?”, questionou.
Marcos
No desenho inicial do pré-sal, quando a Petrobras tinha o monopólio da exploração no sistema de partilha, um dos marcos previa o investimento no fundo social, destinado, em grande parte à educação.
A lei anterior, de 2010, previa que a Petrobras atuava como operadora única dos campos do pré-sal, com uma participação de pelo menos 30%.
Pensamento de Paulo Freire
O programa de Lula vem sendo pensado pelo Núcleo de Acompanhamento de Políticas Pública (Napp), formado no âmbito da Fundação Perseu Abramo, instituição formuladora de políticas do PT.
As ideias, vale ressalvar, ainda serão levadas à discussão no conjunto de sete partidos que integram a frente de Lula: além do PT, estão na coligação PSB, PCdoB, PV, Rede, PSol e Solidariedade.
A inspiração é, segundo integrantes do grupo, no pensamento de Paulo Freire, filósofo da educação, rechaçado por apoiadores de Jair Bolsonaro desde a campanha de 2018.
“No início do governo, Bolsonaro e seus ministros diziam que iriam expulsar do governo as pessoas que pensassem como Paulo Freire. Para princípio de conversa, eu me considero freiriana, porque defendo a educação como direito, e isso é um ponto que a gente já havia avançado na Constituição, quando se fala em gratuidade do ensino, das creches com atendimento educacional, quando se fala da garantia de jovens e adultos, da educação de pessoas com deficiência. Então, esse seria o plano de fundo para a gente pensar de onde é que a gente parte quando estamos dialogando em relação à política educacional para um novo governo. A ideia é reafirmar a Constituição de 1988”, diz a vereadora Macaé Evaristo.
“Educação não é gasto”
Lula já citou o filósofo como referência em várias entrevistas e discursos e tem repetido que a “educação não poderá ser vista como gasto, mas como investimento”.
Apesar da retórica, não há, segundo interlocutores do presidente, a intenção de driblar a contabilidade pública, retirando os investimentos no setor das despesas do Estado.
“Não à militarização”
Os envolvidos na elaboração do plano ainda evitam o termo “revogaço”, embora reconheçam a necessidade de reconstrução das leis que regem a educação. Abicalil aponta que isso deve sair de um novo pacto a ser construído com representantes de estados e municípios.
É nesse contexto que o PT vai propor o fim das escolas militarizadas. Os petistas apontam o que chamam de “série de abusos contra adolescentes no ambiente escolar, por parte de policiais militares deslocados”, como uma das razões para o abandono da ideia.
“A escola se transformou em delegacia”, critica Macaé Evaristo. “Precisamos dizer não ao processo de militarização das escolas. Esse é um ponto-chave. Vou falar do ponto de vista pedagógico. O nosso objetivo é retomar essa visão do Paulo Freire de uma educação emancipatória, de uma educação que coloca a vida como ponto central, se colocando contrária a um projeto que, para mim, legitima a desumanização.”
Ideologia de gênero
Outro ponto que os auxiliares de Lula apontam como alvo necessário de revogações é a discussão implantada por setores conservadores na escola sobre as questões de gênero, um dos pilares da chamada “escola sem partido” defendida por bolsonaristas.
“É preciso superar esse debate tosco sobre ideologia de gênero, que é uma invenção conservadora”, disse Abicalil. “A nossa posição é de superação de toda forma de discriminação. Aliás, é nosso dever, pela Constituição”, enfatizou.
“Trata-se de um conservadorismo lamentavelmente instalado no âmbito global, mas que no Brasil alcançou a instância de poder, espaços decisivos.”
Por Metópoles