Um dos antebraços é colocado à frente do corpo, na horizontal. O outro antebraço, sobre ele, traça uma linha diagonal. Este é o sinal, em língua brasileira de sinais (Libras), do Museu do Amanhã, localizado no centro da cidade do Rio. É com a apresentação desse sinal que começou a visita mediada ao museu, destinada aos estudantes do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines), na última sexta-feira (3). A visita faz parte do projeto Entre Museus Acessíveis, que tem como objetivo promover o acesso à cultura de forma inclusiva.
Os visitantes não só percorrem o museu e todo o acervo interativo, como debatem, em Libras, a importância do que estão conhecendo e de que forma esse conteúdo se relaciona com a própria vida. “Este é o Museu do Amanhã. O que é esse amanhã? Quando a gente fala amanhã, isso não significa apenas o dia, tem, outro conceito. É fazer uma reflexão sobre o futuro”, diz o educador do Museu do Amanhã, Bruno Baptista, que conduz a visita. Ele foi também aluno do Ines. Os estudantes logo sinalizam em resposta ao que acreditam ser importante nesse amanhã: “Amazônia”, “Florestas”, afirmam. “É um pouco disso tudo que vamos ver aqui hoje”, diz Baptista.
O projeto Entre Museus Acessíveis começou no dia 18 de maio, que é o Dia Internacional dos Museus, e segue até novembro deste ano. O foco é em visitantes com deficiência visual e em surdos. Por enquanto, fazem parte do projeto o Museu do Amanhã, com visitas mediadas às sextas-feiras, e o Museu da República, localizado no Catete, zona sul do Rio, com visitas às quartas-feiras.
A gerente de Educação do Museu do Amanhã e responsável pelo projeto, Camila Oliveira, explica que oferecer visitas mediadas não é apenas proporcionar uma tradução. “Estamos oferecendo acessibilidade atitudinal, ou seja, acessibilidade relacional. A gente trabalha com objetos mediadores para que esses conceitos possam chegar não só pelo fato de eu dizer o que tem aqui, mas de experimentar o que tem aqui”, diz.
Durante a visita, Bruno Baptista compartilha um pouco da própria vivência. Ele conta que já teve ouvintes que se assustaram quando ele disse que era surdo. “Como você se sentiria? Eu sou surdo e estou aqui trabalhando, tenho orgulho. É melhor quando há interação. Vejam a Camila, ela é gerente e está aqui aprendendo Libras. Ela vai evoluindo todos os dias”, afirma aos visitantes, que respondem com aplausos.
Acessibilidade nos museus
Além de Baptista, os visitantes são acompanhados pela educadora do Museu Eduarda Emerick. Duda, como prefere ser chamada, é a primeira bióloga cega formada no Brasil. “Tem sido uma experiência maravilhosa. Eu gosto muito de estar em contato com pessoas diferentes e com diferentes questões”, diz. Ela, inclusive, está aprendendo Libras e também sinaliza para os visitantes.
Segundo a educadora, que já trabalhou em mais dois museus na cidade, a acessibilidade é ainda um problema. “Os museus em si trazem essa dificuldade por terem muito acervo disposto em vitrines ou exposições de arte que, geralmente, são quadros ou esculturas, algo em que não se pode tocar. É importante que a gente entre em contato com o setor educativo dos museus, antes da visita, para ver se tem alguém que pode nos receber. É muito importante ter a figura do mediador”.
No Brasil, de acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 24% da população têm alguma deficiência. A acessibilidade aos museus para todas as pessoas está prevista no Estatuto de Museus, Lei 11.904/2009.
Colocar isso em prática é ainda um desafio. Segundo Camila, a acessibilidade plena a museus passa pela necessidade de superar várias barreiras, entre elas a arquitetônica, uma vez que muitos edifícios são antigos e têm limitações para reformas. “A gente pensa muito em acessibilidade arquitetônica, com elevador, rampa. Mas, e para essa pessoa chegar até aqui? Ela vai ter acesso ao conteúdo que está sendo colocado, que tipos de acesso essa pessoa vai ter?”, questiona a gerente.
Além dos prédios, há ainda a necessidade de formação de equipe para receber pessoas com deficiências. “Eu preciso ter, pensar em uma formação de público e entender por que é tão importante essas pessoas visitarem os museus. A importância não está necessariamente em conhecer o museu. A gente tem percebido muito nesses encontros que não é só sobre os conteúdos dos museus, mas a capacidade de relação que essas pessoas muitas vezes são limitadas a ter”, diz Camila.
O projeto é um passo na direção de maior acessibilidade. De acordo com Camila, a intenção é ampliar a mediação nos museus para incluir outras deficiências e outros museus no circuito.
Do museu para a sala de aula
Na última sexta-feira, os estudantes do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines) deixaram o Museu do Amanhã empolgados. “Eu aprendi muito, estou pensando em como ajudar, como ensinar, como desenvolver para o futuro”, afirmou a estudante do 7º ano Vitória Silva.
O que os estudantes aprenderam no Museu do Amanhã será levado para debate em sala de aula. “A gente recolhe um pouco desse material antes da visitação para que os alunos, quando vierem, tenham conhecimento do que vão encontrar. E não paramos por aqui. Pegamos todo esse trabalho e levamos para dentro da sala de aula a fim de trabalhar, de modo interdisciplinar, de modo que assegure melhor conhecimento”, diz o coordenador do Ines, Sidnei Reis, que acompanhou a visita.
Além do conteúdo que aprenderam, ficou também o exemplo de Baptista, conhecido como Tubarão. “Estou vendo o Tubarão como mediador e como ele consegue fazer esse trabalho. Estou olhando para ele e me vendo também como futura mediadora. Estou estudando, quero me desenvolver, conseguir me formar para, no futuro, trabalhar igual ao tubarão”, afirma a estudante do 8º ano Isadora Carvalho.
O projeto de mobilização social e cultural Entre Museus Acessíveis é um desdobramento do programa Entre Museus, promovido pelo Museu do Amanhã desde 2017, em conjunto com mais de 20 museus do Rio de Janeiro. O programa é voltado para capacitar e incluir a população local na fruição cultural, incentivando-a a entrar no mundo da ciência, das artes e da cultura e, assim, construir e expandir caminhos para a cidadania plena.
O Entre Museus Acessíveis conta com patrocínio da Fondation Engie e convida pessoas com deficiência visual e a comunidade surda a ocuparem a cidade e os museus. As pessoas e instituições interessadas em fazer agendamentos para grupos de 15 a 20 pessoas podem solicitar pelo e-mail [email protected].
Além das visitas semanais no Museu do Amanhã e no Museu da República, há, no último sábado do mês, um trajeto de bicicleta pela orla, com educadores e intérpretes de Libras e bicicletas adaptadas, além de instrutores, para o público com deficiência visual. O passeio é oferecido, preferencialmente, para os participantes das visitas mediadas daquele mês, mas, em caso de disponibilidade, poderá ser realizada com outros grupos.
Edição: Graça Adjuto
Fonte: Mariana Tokarnia – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
Crédito de imagem: © Fernando Frazão/Agência Brasil