FGV mostra como o Bolsa Família mascara o desemprego

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Desde o ano passado, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) ficaram intrigados com uma variação – uma espécie de zigue-zague – observada nos dados sobre emprego no Brasil. Isso porque, até fevereiro de 2020, a taxa de participação das pessoas no mercado de trabalho — ou seja, empregadas ou procurando emprego — era de 63,4%. Com a pandemia, desabou para 56,7%. Em setembro, recuperou-se, alcançando 62,7%. Mas, a partir daí, voltou a cair, chegando a 61,4% em março. Como a taxa de desemprego diminuiu, a conclusão óbvia é que há menos gente procurando emprego, apesar de as perspectivas de achar uma vaga aparentemente melhores hoje.

Qual a explicação para esse fenômeno? “Tudo indica que um responsável é o Bolsa Família, que era chamado de Auxílio Brasil”, diz o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho (foto em destaque), coordenador do estudo, Quais as consequências dessa mudança – como o mascaramento do desemprego – é o que ele explica, em entrevista ao Metrópoles.

Qual foi o ponto de partida do estudo?

Nós observamos alterações na taxa de participação das pessoas no mercado de trabalho no Brasil. Ela vinha se recuperando depois da pandemia e, a partir do último trimestre do ano passado, houve uma reversão dessa tendência. Isso chamou a atenção porque a mudança aconteceu quando houve o aumento do Bolsa Família, então chamado de Auxílio Brasil. Na ocasião, o benefício passou a ser de R$ 600,00.

Daí a relação entre a queda da taxa de taxa de participação no mercado de trabalho e o programa de transferência de renda?

Sim. O Bolsa Família passou a ser o suspeito natural para explicar essa mudança do número de pessoas que estavam empregadas ou procurando emprego no Brasil. É importante ressaltar que a literatura sobre o Bolsa Família nunca havia confirmado com clareza essa relação entre o programa e a saída das pessoas do mercado de trabalho, inclusive porque o valor do benefício era baixo.

A alteração do valor foi a chave da mudança?

Exato. E houve um aumento expressivo. Hoje, por exemplo, uma mulher com dois filhos pequenos recebe R$ 900,00 reais. São R$ 600,00 do Bolsa Família, mais R$ 150,00 por criança. Isso dá quase 70% do salário mínimo.

Quais outros dados apontam para a relação entre o programa e a queda da taxa de participação no mercado de trabalho?

Constatamos também que os grupos sociais que mais contribuíram para a queda da taxa de participação do mercado de trabalho foram as pessoas com menor renda e grau de escolaridade. Justamente, os que participam do Bolsa Família.

Com a queda dessa taxa, quantas pessoas deixaram de trabalhar?

Nós estimamos que esse número esteja entre 3 milhões e 4 milhões de pessoas.

Além do aumento do benefício, o que mais pode ter contribuído para a saída dessas pessoas do mercado de trabalho?

O desalento por não conseguir emprego há muito tempo, por exemplo.

Afinal, o que, tecnicamente, é essa taxa de participação?

Ela mostra o percentual de pessoas em idade de trabalho que de fato está trabalhando ou procurando emprego. Alguém que sai do mercado, por exemplo, por ter resolvido ficar em casa para cuidar dos filhos ou porque desiste de procurar emprego, fica fora dessa da taxa. E a redução do indicador traz problemas adicionais, além da menor presença da população na força de trabalho.

Quais problemas adicionais?

As pessoas que deixam de procurar emprego são consideradas fora do mercado de trabalho. Isso faz com que a taxa de desemprego diminua no país, embora não tenha aumentado o número de pessoas que de fato está trabalhando. É isso o que está acontecendo agora.

Ou seja, o desemprego cai sem que, necessariamente, a economia esteja bombando?

Sim. Uma parte da taxa de desemprego baixa que temos no momento se deve justamente ao fato de existirem pessoas que não continuaram no mercado de trabalho, seja por causa do Bolsa Família, seja porque desistiram de arrumar emprego. Hoje, se todos as pessoas que saíram do mercado, ou seja, que deixaram de procurar emprego, voltassem a fazê-lo, a taxa de desemprego do Brasil passaria de cerca de 8% para algo entre 11% e 12%. Seria uma grande mudança.

Por Carlos Rydlewski / Metrópoles