A Justiça do Trabalho anulou acordo firmado entre uma transportadora e um motorista de caminhão que atuava em Lucas do Rio Verde, após concluir que as negociações para encerrar a relação de emprego ocorreram de forma fraudulenta.
A juíza Caroline de Marchi avaliou que o acordo não passou de uma simulação feita pela empresa, que utilizava a Comissão de Conciliação Prévia (CCP) para aparentar legalidade ao pagamento das verbas rescisórias.
Admitido em abril de 2020, o motorista foi dispensado quase dois anos depois, quando procurou a justiça pedindo o pagamento de horas extras e outras verbas previstas na convenção coletiva, além de indenização de 40% sobre o FGTS por ter sido dispensado sem justa causa.
A transportadora defendeu a legalidade da conciliação e, por consequência, a quitação geral dos valores referentes ao contrato.
Em sentença dada na 1ª Vara do Trabalho de Lucas do Rio Verde, a juíza concluiu que o acordo não tem validade. Ela lembrou que, segundo o artigo 625-D da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a ação trabalhista será submetida a CCP se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria”. Entretanto, embora o trabalhador atuasse no interior de Mato Grosso, a conciliação ocorreu na cidade de Chapecó, no estado de Santa Catarina, para onde foi enviado pela empresa para finalizar a rescisão.
A situação, destacou a magistrada, por si só torna inválido o acordo realizado, conforme já decidido reiteradas vezes pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). A jurisprudência da corte superior estabelece que o âmbito da atuação das CCPs é restrito à localidade em que ela foi instituída, não sendo lícitas as tentativas de conciliação em base territorial diversa da prestação do serviço.
Também ficou comprovado que os termos do pacto foram impostos ao trabalhador, que sequer conhecia a advogada que lhe representou no ato. Outro motorista, que teve a rescisão do contrato em condições semelhantes a do caso em julgamento, relatou à juíza que a transportadora marcou as reuniões na comissão de conciliação, custeando as despesas do deslocamento e da estadia em Chapecó e em Palmitos, outra cidade catarinense, onde fica a sede da empresa. Disse ainda que não conhecia a advogada presente na comissão, que segundo foi informado seria sua representante. A profissional lhe disse que se não aceitasse a proposta seria marcada nova audiência apenas para o ano seguinte. “Como passava necessidade e já era fim de ano, sentiu-se obrigado a aceitar”, contou a testemunha.
Outro motorista ouvido pela justiça afirmou que o combinado seria de o caminhoneiro que recorreu à Vara de Lucas do Rio Verde ser dispensado, porém quando chegaram ao município catarinense receberam os documentos para assinarem. Segundo ele, a transportadora impôs a ida para o Sul como condição para que a rescisão fosse feita e que apenas quando voltou para casa se deu conta de que havia assinado um acordo e não a dispensa.
As testemunhas afirmaram ainda que ao chegarem ao escritório, havia outros quatro motoristas do interior de São Paulo e que foram informados que se não assinassem não seria feita a rescisão. Por fim, todos assinaram os documentos, que já estavam prontos, e receberam cópias dos papéis.
A juíza avaliou que os depoimentos demonstram a simulação feita pela empresa, sem que houvesse a efetiva conciliação entre as partes ou mesmo a contratação da advogada para representar o trabalhador. “Entendo demonstrado que a suposta conciliação realizada na comissão de conciliação prévia trata-se de uma fraude trabalhista (art. 9º da CLT) razão pela qual anulo todos os atos ali praticados, com exceção do pagamento”, sentenciou.
Com a declaração de nulidade do acordo e a ausência de comprovantes de pagamento, a magistrada condenou a transportadora a pagar o aviso prévio, 13º salário e férias. Também reconheceu que o motorista trabalhava em sobrejornada e, com base nos documentos juntados ao processo, determinou o pagamento de horas extras nos períodos em que a jornada ultrapassou os limites estabelecidos na legislação.
Diante da hipótese de configuração de ilícito penal, a magistrada determinou o envio de comunicado ao MPT, MPF e OAB para investigação.