Na fotografia que ilustra este artigo estão os nove vereadores que fizeram parte da3ª Legislatura (1955-1958) da Câmara Municipal de Cuiabá. O ano provável da fotografia é 1955, posto que o vereador Gonçalo Antunes de Barros está em destaque e era ele o presidente do legislativo cuiabano nesse ano. Já no dia 1º de janeiro de 2025 uma nova fotografia foi tirada, agora com os 27 vereadores que fazem parte da 21º Legislatura (2025-2028). Uma das diferenças que percebemos nesses 70 anos que separam as duas fotos é a triplicação da quantidade de vereadores.
    O cientista político Gilberto Guerzoni Filho nos conta como se estabeleceu o atual modelo que normatiza a quantidade de vereadores nas câmaras municipais brasileiras. Com o advento da atual constituição afirma,consolidou-sea autonomia dos munícipios e eles passaram à categoria de entidades autônomas, dotadas de organização e governos próprios e com competências exclusivas.As atribuições dos governos locais foram ampliadas e consequentemente o poder das câmaras municipais foi fortalecido. No que se refere ao quantitativo de vereadores, previa-seoriginalmenteno inciso IV do artigo 29 da Constituição de 1988, os limites mínimos e máximos, de acordo com a população do município, em três faixas populacionais:(a) mínimo de 9 e máximo de 21 vereadores em municípios de até 1 milhão (b) mínimo de 33 e máximo de 41 em municípios de mais de um milhãoe menos de 5 milhões e (c) mínimo de 42 e máximo de 55 nos municípios de mais de 5 milhões. Compreende-se que respeitados os limites de mínimo e máximo, cabia às câmaras definirem a quantidade de vereadores no seu município.
            Essa certa liberalidade causou discussões a favor e contra, pois percebia-se que municípios com população diminuta, de cerca de 2 mil habitantes, poderiam ter legalmente até 21 vereadores, quantidade essa que era o limite para alguns municípios que contavam com quase1 milhão de habitantes. Não sabemos no entanto se houve casos de municípios pequenos que chegaram a 21 vereadores. Uma pesquisa para esse questionamento seria exaustiva pois já tínhamos nas eleições municipais de 1988 mais de 5 mil câmaras municipais no país, mas foi possível avaliar o caso de Mato Grosso. De acordo com os dados disponibilizadospelo Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso(TRE-MT), a maioria dos municípios mato-grossensesadotaramnaquela eleição (1988)o mínimo de 9 vereadores.Verificamos que em 25 municípios foram disputadas11 cadeiras,em 12 municípios 13,em 3 municípios 15 (Alta Floresta, Barra do Garças e Cáceres) eem 2 municípios 17, no caso Várzea Grande e Rondonópolis, e a capital Cuiabá teve 21 cadeiras em disputa.
            O inconformismo de membros do poder judiciário com a liberdade de definição do quantitativode vereadores por parte das câmaras municipais provocou embatesnos órgãos superiores. O Judiciário manteve-se por anos unânime defendendo e reconhecendo a autonomia dos municípios, respeitando a ordem constitucional. O entendimento mudou quando um Recurso Extraordinário foi analisado pelo Supremo Tribunal Federal(STF) por conta da quantidade de vereadores no município de Mira Estrela (SP) que possuía 2.651 habitantes e contava com 11 vereadores no ano de 2003. Pleiteou o Ministério Público do Estado de São Paulo que fosse reduzido para 9 a quantidade de vereadores na cidade. Os ministros do STF entenderam que modelo em vigor afrontava a isonomia e a razoável proporcionalidade, porque alguns municípios menos populosospoderiam possuir mais vereadores que outros mais populosos. No caso da cidade paulista havia 1 vereador para cada 241 habitantes, enquanto que um município com 900 mil habitantes poderia ter 1 vereador para cada 43 mil. Coube ao Tribunal Superior Eleitoral(TSE) estabelecer um parâmetro, e assim o fez, editando a Resolução nº 21.702/04 já para as eleições municipais de 2004, tendo como referência a população estimada pelo IBGE em 2003. A Câmara de Cuiabá foi um dos casos de parlamentos municipais afetados pela alteração do tribunal superior, obrigando-se a reduzir de 21 para 19 cadeiras nas eleições municipais de 2024.
            Ocorre, afirma Guerzoni Filho, que o TSE não tem o condão de alterar lei preexistente ou criar nova norma legal, mas apenas regulamentar. Portanto, a resolução era incabível, uma invasão de competência, um atentado à autonomia municipal assegurada pela Constituição e por isso entendeter sido catastrófica a medida tomada pelo TSE, visto que é por conta da autonomia municipal que equilibram as suas diferenças com estados e a União. Antes dessa resolução, 54% das câmaras tinham o mínimo de 9 vereadores, e com ela aumentou para 90%. Para deixar um exemplo do prejuízo cometido pela decisão do TSE, Guerzoni Filho compara dois municípios brasileiros: Altarmira (PA) e Caieiras (SP). As duas cidades tinham à época 80 mil habitantes cada, sendo que o quantitativo de vereadores da cidade paraense foi reduzido de 19 para 10 e a paulista de 13 para 10. Acontece que enquanto Caieiras tem uma área territorial de apenas 96 km2, Altamira possui 160 milkm2, o que de acordo com Guerzoni Filho, demanda muito mais esforços dos parlamentares em atender a comunidade.Por detrás dos argumentos para a redução da quantidade de vereadores estava a diminuição dos custos com o legislativo, o que não prospera, pois as câmaras obedecem ao limite de recursos definido constitucionalmente, que independe da quantidade de parlamentares que possuam. Considera-se que com essa alteração promovida pelo TSE as populações da maioria dos municípios brasileiros foram prejudicadas já que diminuíram a quantidade de representantes no principal órgão de poder local.
            Ainda antes da resolução do TSE, tramitava na Câmara dos Deputados uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para criar um novo modelo, que é o atual. A discussão ganhou maior proporção no ano de 2009 e estabeleceu-se a ideia de que o município teria somente um limite máximo. O estabelecimento da quantidade de vereadores dependeria da necessidade do município e da sua capacidade em manter a casa legislativa, atentando-se aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e economicidade.A discussão levou à aprovação da PEC e a edição da Emenda Constitucional nº 58 de 23 de setembro de 2009.
Partimos agora para uma análise históricadesse assunto na Câmara Municipal de Cuiabá. O censo demográfico realizado em 2022 apontou que a cidade de Cuiabá possuía 650.912 habitantes, aproximadamente 100 mil a mais do que em 2010 (censo anterior). Esse aumento provocou o aumento do quantitativo de vereadores no parlamento. Com o censo de 2010 e a Emenda Constitucional 58/2009, a Câmara enquadrava-se na alínea “i” (população entre 450.000 e 600.000), tendo 25 cadeiras. Com o aumento populacional verificado no censo de 2022, enquadra-se agora na alínea “j”, quando a população é superior a 600.000 e inferior a 750.000. Sendo assim, a Câmara de Cuiabá foi provocada a alterar a Lei Orgânica do município, em seu artigo 6º § 4º, através da Emenda de nº 45 de 2023, aumentando a quantidade de vereades de 25 para 27. O mesmo ocorreu em outras capitais do Brasil: Aracaju (SE), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Palmas (TO) e Porto Velho (RO). Por outro lado, a redução populacional de Recife (PE) provocou a saída de duas cadeiras na sua câmara municipal.
Na medida em que levantamos a população de Cuiabá desde o início do período mais contemporâneo da Câmara (1947-2024) e a quantidade de vereadores de cada legislatura, é possível calcular a proporcionalidade entre representantes e representados. Na década de 1950 a população de Cuiabá era de aproximadamente 45 mil e contava com 9 vereadores no parlamento, cada vereador representando um grupo de 5 mil pessoas. Na década seguinte (1960) a proporção sobe para 7,5 mil, em seguida para 11 mil (1970). Nas eleições de 1982 já eram 19 cadeiras no legislativo municipal e manteve-se a proporção de 1 para 11 mil. Houve um boom populacional em Cuiabá na década de 1980, e no ano de 1990 registrou uma população de 402 mil pessoas. Já com 21 representantes, a proporção quase dobrou, indo para 19 mil. Como verificamos, nas eleições de 2004, sob a determinação do TSE, as cadeiras foram reduzidas para 19. Com uma população de 500 mil, a proporção ficou em 1 para cada 26 mil habitantes. Adotando o modelo atual, estabeleceram 25 vagas para as eleições de 2012, quando a população da cidade chegou a 550 mil e a proporção baixou para 22 mil. Com o aumento de habitantes verificado no último censo (2022) e o acréscimo de mais duas vagas, a proporção nas eleições do ano de 2024foi de 1 representante para cada 23 mil habitantes.Verifica-se portanto, que atualmente 1 vereador representa 4 vezes mais habitantes do que os da década de 1950, em uma cidade bem maior e com maiores desafios.
Diante do que apresentamos neste artigofoi possível esclarecer ao leitor como se dá a adequação da quantidade de vereadores nas câmaras municipais brasileiras e como se deu o processo na Câmara Municipal de Cuiabá. Perceber-se historicamente o atendimento à legalidade por parte dos vereadores e o entendimento de que é necessário que a população tenha acesso aos ocupantes do poder, e por isso, quanto maior for a quantidade de vereadores no município, mais fácil torna-se a universalização das decisões sobre os planos para a cidade.
 
Danilo Monlevade
Analista Legislativo
Secretaria de Apoio à Cultura
memoria@camaracuiaba.mt.gov.br
 
Fontes de Consulta:
Arquivo Geral da Câmara Municipal de Cuiabá.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988).
FERNANDES, Márcio Silva. Fixação do número de vereadores pelos municípios. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2010.
GUERZONI FILHO, Gilberto. Da Constituinte à Emenda Constitucional nº 58, de 2009: O Poder Judiciário, o Congresso Nacional e a composição das Câmaras de Vereadores. Revista de Informação Legislativa, Senado Federal, 2010.
Sítio eletrônico: https://almanaquecuiaba.com.br/aspectos-demograficos-populacao-de-cuiaba – acessado em 15 de janeiro de 2025.
SOARES, Fabiana de Menezes. Número de vereadores das câmaras municipais: Interpretação do art. 29, inciso IV (princípios, autonomia, controle e critérios). Revista de Informação Legislativa, Senado Federal, 1997.
 
 
Fonte: Câmara de Cuiabá – MT