A escalada dos preços dos alimentos no Brasil é um desafio multifacetado, que exige uma abordagem ampla e estruturada por parte do governo. Segundo economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), medidas conjunturais são insuficientes para conter a inflação alimentar, sendo necessário um conjunto de políticas de médio e longo prazo. Entre as soluções, destacam-se investimentos em infraestrutura, pesquisa e o incentivo à produtividade não apenas das grandes commodities exportadoras, mas também de culturas essenciais para o consumo interno.
No curto prazo, a principal ação que o governo pode adotar é evitar a desvalorização cambial, fator que impacta diretamente os preços dos alimentos. “Não existe solução fácil, e ainda vamos falar muito sobre alimentos nos próximos anos”, alerta André Braz, pesquisador do FGV Ibre e coordenador dos índices de preços da instituição.
Fatores que impulsionam a inflação alimentar
De acordo com Francisco Pessoa Faria, pesquisador associado do FGV Ibre, a inflação dos alimentos é resultado de um conjunto de fatores, incluindo mudanças climáticas, aumento da demanda interna e externa, queda da oferta devido à substituição de culturas, elevação dos preços internacionais e concentração na distribuição.
“A seca prolongada no Nordeste, por exemplo, teve impactos duradouros na produção local. Ao mesmo tempo, a demanda aumentou com a melhoria do PIB per capita e da distribuição de renda desde os anos 2000, além do crescimento da presença chinesa no mercado de commodities”, explica Faria.
O pesquisador também aponta que a produção de lavouras destinadas ao consumo humano não tem crescido na mesma proporção que as grandes commodities. Entre 2010 e 2023, a área plantada de soja no Brasil cresceu 90% e a de milho, 74%, enquanto outras culturas permaneceram estagnadas. O arroz, por exemplo, perdeu espaço para cultivos mais rentáveis, como a soja. Atualmente, 70% da produção nacional de arroz está concentrada no Rio Grande do Sul, região sujeita a condições climáticas voláteis.
Medidas intervencionistas e soluções estruturais
Diante desse cenário, a ideia de estabelecer cotas de exportação para conter a inflação é vista como ineficaz pelos especialistas. “Muitos produtos com problemas de preço não têm relação com o mercado externo”, afirma Faria. Ele argumenta que o superávit comercial desses produtos contribui para um câmbio mais estável, o que, por sua vez, reduz os preços internos.
Outra alternativa discutida é a redução de impostos sobre determinados setores, mas estudos apontam que tal medida tende a aumentar a margem de lucro dos produtores em vez de resultar em queda de preços ao consumidor. Em vez disso, os economistas sugerem revisão das alíquotas de importação para produtos como arroz e reorientação do Plano Safra, com políticas de preços mínimos para alimentos de alta relevância no consumo doméstico.
No curto prazo, evitar pressão sobre a taxa de câmbio é uma das poucas ferramentas ao alcance do governo. “A desvalorização do real tem impacto direto na inflação. Uma depreciação de 10% pode adicionar até 1 ponto percentual ao IPCA em um ano”, explica Bráulio Borges, pesquisador do FGV Ibre. No caso da cesta básica, que inclui itens essenciais para as famílias, esse impacto pode chegar a 22%.
Perspectivas para a inflação dos alimentos
Em um cenário otimista, André Braz projeta um IPCA de 5,29% para 2024, com a inflação dos alimentos no domícilio em 6%. No entanto, em uma conjuntura mais desfavorável, o IPCA pode atingir 6,65%, e os preços dos alimentos podem subir até 11%. “Tivemos uma ‘tempestade perfeita’ que impactou os alimentos este ano: El Niño, La Niña, depreciação cambial e aumento da demanda”, destaca Braz.
Desde 2020, os alimentos têm sido um dos principais fatores de pressão sobre a inflação. Entre dezembro de 2019 e o final de 2024, os preços da alimentação no domícilio subiram 55%, enquanto o IPCA acumulou alta de 33%. “Se o IPCA indexa a maioria dos salários, isso significa que a renda tem crescido em ritmo mais lento que os preços dos alimentos”, afirma Braz.
Para as famílias de baixa renda, o impacto é ainda maior. O peso da alimentação no custo de vida de quem ganha entre um e 1,5 salário mínimo aumentou de 18% em 2018 para 22% em 2025. Já para quem tem renda acima de 30 salários mínimos, a participação passou de 9,2% para 11,3%.
Diante desse cenário desafiador, os especialistas defendem estratégias de longo prazo, como o incentivo a culturas mais diversificadas, redução de desperdícios, investimentos em silagem e infraestrutura, e estímulo à irrigação. “Essas soluções já eram apontadas há anos, mas sem planejamento adequado, agora enfrentamos os impactos de um problema anunciado”, conclui Braz.
Fonte: Portal do Agronegócio
Fonte: Portal do Agronegócio