Novo Código Eleitoral: desincompatibilização de ‘agentes da lei’ divide opiniões na CCJ

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A previsão do novo Código Eleitoral de um prazo mínimo de quatro anos para desincompatibilização das funções de “agentes da lei” para concorrer a cargos públicos dividiu opiniões em audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), nesta quinta-feira (24). Essa foi a segunda das três reuniões de debate previstas para análise do Projeto de Lei Complementar (PLP 112/2021).

De acordo com o texto — um substitutivo do senador Marcelo Castro (MDB-PI) — em análise no Senado, juízes, membros do Ministério Público, policiais federais, rodoviários federais, civis e militares, guardas municipais e membros das Forças Armadas deverão se afastar de seus cargos quatro anos antes das eleições se quiserem concorrer. O projeto original previa uma regra de transição segundo a qual essa exigência valeria a partir eleições de 2026. No entanto, o relator alterou essa regra para que a exigência só passe a valer nas eleições que ocorrerem quatro anos após a publicação da lei.

Ao abrir a reunião, o vice-presidente da CCJ, senador Vanderlan Cardoso (PSB-GO), disse que a discussão sobre a desincompatibilização é imprescindível e que “o compromisso dessa Casa está alinhado com o que será melhor“, seja em momento de eleição ou posterior a isso.

O senador Hamilton Mourão (Republicanos-DF) disse ter 46 anos de serviço ao Exército Brasileiro e lembrou que, a partir dos 16 anos, quando se passar a ter direito ao voto, já se “está contaminado pela política”.

— Nessa questão dos prazos, não estão levando em conta a realidade. [..] Não há uma politização dentro dos quartéis, nem nas polícias militares, nem nas Forças Armadas, e muito menos, na Polícia Civil e na magistratura. O que acontece é que algumas pessoas se destacam em determinado momento e consideram que prestarão ou continuarão a prestar um serviço à população do país dentro da política — disse Mourão.

Da mesma forma, o senador Sergio Moro (União-PR), ex-juiz federal, disse que o prazo de quatro anos afeta direitos e está sendo aplicado de maneira arbitrária, o que irá acabar por “expulsar essas categorias da política”.

— Seria tolhido o próprio Parlamento de contar com a experiência deles — afirmou Moro.

“Agentes da lei”

O ex-deputado federal Subtenente Gonzaga enfatizou que o afastamento dos cargos de “agentes da lei” pelo menos quatro anos das eleições não estava previsto no texto original da autora do projeto, deputada Soraya Santos (PL-RJ). A inserção dessa regra teria ocorrido por meio de emenda aglutinativa (fusão de outras emendas) na Câmara.

— Pela primeira vez estamos debatendo esse tema. De fato, vamos demonstrar que essa é uma matéria de um retrocesso legislatório. Ela não é uma quarentena, é um banimento dessas categorias do processo político. […] Queremos exercer o direito de voto e de sermos votados — afirmou o Subtenente Gonzaga.

Para o presidente da Diretoria Executiva da Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis (Cobrapol), Giancarlo Corrêa Miranda, não há como excluir operadores da segurança pública do debate político.

— Temos pouquíssimos policiais civis eleitos. E essa redação, aprovada na Câmara federal, acaba excluindo de vez a participação política dos policiais civis. É uma infringência total ao artigo 14 da Constituição federal. […] Temos que possibilitar e oportunizar a participação de policias nas eleições para fazer uma segurança pública diferenciada — disse Miranda.

O Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo Elias Miler da Silva, diretor de Assuntos Legislativos da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais (Feneme), destacou que o direito fundamental é cláusula pétrea da Constituição, por isso, os direitos políticos não podem ser diminuídos.

— Do ponto de vista jurídico, o afastamento é temporário, e no texto se muda para um afastamento definitivo. Quatro anos antes, eu tenho de pedir demissão do serviço público? Isso é uma monstruosidade! — disse o coronel. Ele defendeu o prazo máximo de seis meses, conforme a regra atual.

Delegado de Polícia Civil Adriano Costa disse que a proposta pede que o policial abra mão de seu cargo para participar de um pleito que não tem resultado garantido. Ele observou que os policiais são minorias nas casas legislativas.

— Trazer uma regra de expurgação desses policiais é inconstitucional e injusto. O povo elege seus representantes na expectativa da defesa das pautas que lhes parecem importante e a segurança pública o é.

Quarentena mais larga

Coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Beatriz Graeff disse ser preciso ter representantes da polícia na política, mas ela lembrou que “os limites e os contornos da atuação policial precisam ser muito específicos” e que a implementação de uma quarentena mais larga é uma medida necessária. Para ela, o debate vai muito além da questão da segurança pública:

— Sempre atuamos a partir da construção conjunta, juntando o saber policial com o saber civil. […] O que vemos, nos últimos anos, é o uso politico de instituições policiais e policiais que usam a sua condição para se projetar politicamente, de uma forma muito nociva para a instituição.

Segundo Francisco Octávio de Almeida Prado Filho, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, a magistratura, o Ministério Público e as policias exercem um poder jurídico, e isso exige independência e imparcialidade.

— Isso significa que não pode haver uma transição de uma função jurídica para política? Não. Mas é necessário um prazo de transição. Me parece que essa proposta discutida é um avanço institucional, em homenagem ao exercício da separação dos Poderes. Essas funções não podem ser contaminadas pelo exercício de uma atividade política partidária —expôs Prado Filho.

Ficha Limpa

O substitutivo do novo Código Eleitoral também estipula que a inelegibilidade não ultrapassará oito anos, contados da decisão que aplicou a sanção. Serão incluídos nesse prazo também o tempo entre a data da publicação da decisão do órgão colegiado e a data da decisão final. Pela lei atual, em diversos casos, o prazo é contado a partir do final do cumprimento da pena — para os que ficaram inelegíveis por alguma condenação penal — ou da legislatura ou do mandato.

Para uniformizar a contagem do prazo de inelegibilidade em todas as eleições, ela sempre ocorrerá a partir de 1º de janeiro do ano seguinte, e não mais a partir da data da eleição em que foi praticado o crime, como a Lei das Inelegibilidades hoje prevê.

O advogado Melillo Dinis do Nascimento, do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), afirmou que depois de décadas de consolidação da Lei da Ficha Limpa, “não faz o menor sentido recuar, para modificar uma conquista histórica, fruto de mobilização”.

Em resposta, o relator, Marcelo Castro, disse que o texto traz uniformidade e transparência com as alterações que estão sendo propostas à Lei da Ficha Limpa:

— Não estamos desfigurando a lei da Ficha Limpa, ao contrário, estamos corrigindo alguns equívocos para aperfeiçoá-la — disse o senador.

Crimes eleitorais

O PLP 112/2021 avança muito na questão dos crimes eleitorais e a reforma proposta é positiva, disse Fernando Gaspar Neisser, da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).

— Casos como a compra de voto, uso da máquina pública, caixa dois, tinham penas irrisórias ou penas penais mal desenhadas. Agora, o PLP traz um tipo penal específico muito bem desenhado para o caixa dois. Há um olhar muito mais firme com relação ao uso indevido da máquina pública. O projeto avança muito no que toca aos crimes eleitorais — disse Neisser.

Urnas eletrônicas

Um dos temas que mais suscita debates, a questão da urna eletrônica no novo Código Eleitoral também foi analisada pela CCJ. O PLP 112/2021 traz como novidade um livro que regula a auditoria desses equipamentos. O projeto assegura a diversas instituições o direito de fiscalização e de auditoria contínua nos códigos-fonte, softwares e sistemas eletrônicos de biometria, votação, apuração e totalização dos votos.

Para o procurador do estado do Mato Grosso do Sul Felipe Marcelo Gimenez, o sistema de votação existente hoje faz com que “o povo abra mão de sua soberania”.

— Voto não é apenas uma informação, voto é objeto jurídico que tem natureza na ciência do Direito. E um dos atributos diretos do voto em qualquer democracia é estar sob domínio direto do cidadão que vota. O voto eletrônico é intermediado pelo software, o voto eletrônico contraria clausula pétrea do voto direto — disse Gimenez.  

Segundo o presidente do Instituto Voto Legal, Carlos Rocha, o sistema eleitoral brasileiro enfrenta alguns desafios: concentração de funções no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a fiscalização limitada por partidos e cidadãos, a ausência de verificação do eleitor do comprovante do seu voto, ausência de registro digital de cada voto, a não-utilização de certificação digital ICP-Brasil e não haver uma contagem pública.

Por isso, o Instituto tem como proposta a criação de uma agência nacional eleitoral (ANE), adotando o modelo do Reino Unido. 

— Existe uma autarquia sob regime especial que seria vinculada ao Congresso Nacional. E essa autarquia passaria a ter competência sobre operação, logística e contagem pública dos votos — expôs Rocha. 

O senador Marcelo Castro lembrou a urna eletrônica tem causado divergências de opiniões, mas tem se mostrado eficiente e segura.

— O fato concreto é que até hoje não foi comprovada uma única fraude no processo de urnas eletrônicas. […] Não há uma única ação judicial hoje de alguém que tenha perdido eleição por fraude em urna eletrônica — lembrou o senador.

Para o senador Hamilton Mourão, as urnas eletrônicas precisam de aperfeiçoamento:

 — É um tema polêmico, que desperta paixões, e compete a nós votarmos e buscamos a melhor solução.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado