A decisão do governo dos Estados Unidos, anunciada na última quarta-feira (2/4), de impor tarifas a todos os seus parceiros comerciais marca uma tentativa da maior potência econômica mundial de recuperar o protagonismo industrial e conter os déficits comerciais de bens, que chegam a cerca de US$ 1 trilhão ao ano.
A medida, considerada drástica por analistas ouvidos pela Agência Brasil, busca reposicionar a indústria norte-americana frente à crescente competitividade de países asiáticos. Para o economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, no entanto, as tarifas não serão suficientes para reverter a perda de competitividade dos Estados Unidos, sobretudo diante da força das nações da Ásia.
“A Ásia tem sido extremamente eficiente em implementar políticas industriais e de inovação nos últimos 20 a 30 anos. Países como Vietnã, Malásia, Tailândia, Indonésia, China e até a Índia adotaram políticas de incentivo com subsídios ao desenvolvimento tecnológico”, destacou Gala, que também é professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).
Segundo ele, a medida representa “um choque brutal” para a economia mundial, comparável apenas aos abalos tarifários da década de 1930. Além disso, Gala enfatiza que as tarifas impostas não seguiram o princípio da reciprocidade, diferentemente do que prometia o governo Trump, e que o Brasil será afetado, ainda que de forma menos severa, principalmente em setores como o aeroespacial — com impacto direto sobre a Embraer.
As novas tarifas variam conforme a região: 10% para países da América Latina, 20% para a Europa e 30% para a Ásia, sinalizando uma clara tentativa de conter a influência econômica asiática. “Hoje, a Ásia responde por cerca de 25% do mercado global de automóveis. A chinesa BYD, por exemplo, está ameaçando seriamente a liderança da Tesla em diversos mercados”, comentou Gala.
A Tesla, fabricante de veículos do bilionário Elon Musk, aliado do ex-presidente Trump, é uma das referências no setor afetado pela competição asiática. De acordo com dados da Casa Branca, a participação da produção industrial dos EUA no total global caiu de 28,4% em 2001 para 17,4% em 2023. “Grandes e persistentes déficits comerciais anuais provocaram o esvaziamento da base de manufatura norte-americana e prejudicaram sua capacidade de produção interna”, justificou Trump, por meio de uma ordem executiva.
Gala, no entanto, argumenta que o principal problema é o elevado custo de produção nos EUA, que chega a ser de cinco a seis vezes maior do que na Ásia. “Enquanto a média salarial nos EUA é de US$ 5 mil, na Ásia gira em torno de US$ 1 mil”, afirmou.
Impactos econômicos globais
As novas tarifas trouxeram incertezas para o mercado internacional, com reflexos imediatos na queda das bolsas e no adiamento de decisões empresariais. “Uma multinacional que fabrica no Vietnã, na China, em Taiwan ou na Europa agora pensa duas vezes antes de investir”, avaliou o economista.
Para ele, este é o maior choque tarifário desde a década de 1930. “Há uma grande preocupação no mercado. Vamos observar uma desestruturação do comércio global, dos investimentos e da cadeia produtiva. Além disso, os preços de produtos asiáticos devem subir cerca de 30%, incluindo itens como máquinas, tratores, computadores e chips”, alertou Gala, prevendo um aumento da inflação interna nos Estados Unidos.
Argumento da reciprocidade e efeitos sobre o Brasil
Um dos principais argumentos da Casa Branca é que os parceiros comerciais impõem tarifas mais altas sobre produtos norte-americanos do que os EUA sobre suas importações. O Brasil é citado como exemplo, por aplicar 18% de tarifa sobre o etanol, contra apenas 2,5% dos EUA.
“Grandes e persistentes déficits comerciais de bens são causados, em parte, pela ausência de reciprocidade em acordos bilaterais, que dificultam o acesso de produtos norte-americanos a mercados estrangeiros”, afirmou Trump.
Entretanto, para Gala, a nova política comercial norte-americana não se baseia na reciprocidade. “Não houve qualquer critério justo. A lógica da reciprocidade seria responder na mesma medida, mas o que fizeram foi impor tarifas generalizadas sobre países com os quais os EUA têm déficit comercial”, argumentou.
O Brasil, apesar de ter recebido a menor taxa entre os países afetados — 10% sobre todas as exportações —, deve buscar a reversão da medida junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), cuja atuação foi enfraquecida nos últimos anos, também por pressão dos EUA.
O impacto mais relevante, segundo Gala, não está apenas na nova tarifa brasileira, mas na reação em cadeia que a medida pode desencadear no comércio global. “O Brasil ficou com a ‘tarifa mais barata’, mas ainda assim será afetado pelo terremoto econômico mundial que se desenha. A instabilidade poderá provocar queda de juros, flutuação cambial e recessão, o que obviamente nos impactaria”, disse.
Setores mais afetados e possíveis oportunidades
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) destacou que os EUA são o principal destino das exportações da indústria brasileira, especialmente nos segmentos de maior valor agregado tecnológico. Além disso, o país lidera o comércio de serviços e os investimentos bilaterais com o Brasil.
Entre os setores mais sensíveis à nova política está a indústria aeroespacial, com destaque para a Embraer. “Talvez a Embraer seja a empresa mais impactada. A nossa dependência geral em relação aos EUA não é elevada, mas haverá reflexos específicos em algumas empresas”, completou Gala.
Apesar do cenário desafiador, especialistas apontam que a guerra tarifária também pode abrir oportunidades para o Brasil. “Se o país souber agir estrategicamente, poderá ampliar suas exportações, já que a taxação sobre produtos americanos pode levar importadores a buscarem alternativas”, avaliou Volnei Eyng, CEO da gestora de ativos Multiplike.
Assim, em meio à instabilidade provocada pelas novas diretrizes de Washington, o Brasil precisa equilibrar sua resposta diplomática e comercial, de modo a proteger setores vulneráveis, buscar compensações e, ao mesmo tempo, explorar nichos de mercado emergentes.
Fonte: Portal do Agronegócio
Fonte: Portal do Agronegócio